Cinema
"Crash" por César Nóbrega
Em Los Angeles ninguém toca ninguém. Sentimos tanto a falta do toque, que temos acidentes só para sentirmos alguma coisa". É desta forma que Don Cheadle (detective Graham Waters) abre as portas para um dos filmes do ano... digam o que disserem os críticos. Este é daqueles filmes que ninguém... mesmo ninguém... devia perder! É um grito contra o racismo e a xenofobia.
Até agora, na minha curta vida (sim curta, tenho 32 anos espero viver outros tantos) dois "Crash" marcaram a "memória cinéfila" que pretendo guardar, para mais tarde recordar, conforme a publicidade. Primeiro, em 1996, o canadiano David Cronenberg deu-me dois murros no estômago, com a sua interpretação cinematográfica do livro de J. G. Ballard, sobre a relação entre o prazer sexual e os acidentes de viacção. Quase dez anos depois, outro canadiano, Paul Haggis, deixa-me "knock out", com o seu "Crash". Homem mais ligado à escrita de argumentos para televisão, foi argumentista de, entre outros e espantem, séries televisivas como "As Teias da Lei" e "Walker, O Ranger do Texas", Haggis não só realizou "Colisão", como também escreveu a história e o argumento, foi produtor e até autor de uma das canções do filme. Cronenberg e Haggis não têm só em comum a nacionalidade, também a crueza da linguagem. Contudo, no "Crash" de Paul Haggis, os acidentes de viacção são o motivo e não objectivo.
Um acidente de carro junta um grupo de pessoas, com histórias bem diferentes: um polícia negro, com uma mãe drogada e um irmão ladrão e que mantém uma estranha relação com a colega, Ria; dois ladrões de automóveis, constantemente a fazerem teorias sobre a sociedade e o racismo; um polícia racista com um pai doente; o procurador geral de Los Angeles e a sua irritada mulher; uma família iraniana e um realizador de sucesso. Parecem muitas histórias, mas não... o racismo une-as todas. Mas não só a xenofobia, também a decadência a que as sociedades modernas chegaram.
Partindo de filmes como "Magnólia" (1999) de Paul Thomas Anderson (se não me dissessem quem realizou, provavelmente, apostava no criador de "Punch-Drunk Love", 2002) e "Amor Cão" (2000) de Alejandro González Iñarritu, "Colisão" é mais verdadeiro no adesamento das personagens e na emoção que transmite ao espectador. Não tenha dúvidas de uma coisa, não vai conseguir desviar os olhos do filme, e noutros momentos vai ser forçado a sofrer, sobretudo em duas alturas: quando o polícia racista, sargento Ryan (Matt Dillon) salva Christine (Thandie Newton) de um acidente de viacção e quando o iraniano Farhad dispara sobre a filha de Daniel.
Apesar de não ter nenhum figura de topo, o elenco é, mesmo assim, de luxo. Há a acrescentar a todos os nomes já citados, uma impresionante Sandra Bullock, longe dos seus habituais papeis de detective/modelo ou menina insegura, a fazer da impertinente e asquerosa mulher do procurador geral de Los Angeles. Os louros vão, no entanto, para Don Cheadle. Se alguém duvidava que era grande actor, como mostrou em "Ocean's Eleven" (2001) ou "Twelve" (2004) de Seteven Soderbergh, em "Colisão" demonstra que sabe, muito bem, o que está a fazer.
Palavra final para a brilhante banda sonora de Mark Isham. Só com ela conseguimos entrar tão fundo na mente de um racista, por exemplo, e arranjar justificações para os seus actos.
Em "Colisão" não há bons, nem maus. Há a vida real. Todos erramos, uns mais que outros. Não vale a pena pensar que há salvação. Como cantava Michael Stipe, em 1987, numa das mais bonitas canções que escreveu para a sua banda os R. E. M.: "it's the end of the world as we know it" (é o fim do mundo, tal como o conhecemos), só que, no fim, não nos sentimos bem!
Título Original: "Crash" (EUA, 2004)
Realizador: Paul Haggis
Intérpretes: Don Cheadle, Jennifer Esposito, Sandra Bullock, Brendan Fraser, Matt Dillon, Ryan Phillipe, Thandie Newton, Terence Howard, William Fichtner, Ludacris
Argumento: Paul Haggis e Robert Morisco
Fotografia: James Muro
Música:Mark Isham, Kathleen York
Género: Drama /Thriller
Duração: 113 min
Sítio Oficial: http://www.crashfilm.com
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