Cinema
"Cassandra's Dream" por Nuno Reis
O humor de Woody Allen sempre foi diferente e a sua constante intromissão com o circuito mainstream americano era perturbadora. Nunca se conseguia prever se dele sairia um excelente filme, um êxito de bilheteiras, uma mescla de ambos, ou apenas uma incontornável obra de autor. É possível dizer mal de Woody Allen, mas não é fácil. Depois de quarenta anos a fazer cinema fora de Hollywood a mudança para Londres não surpreendeu. Allen era um incompreendido e os seus últimos filmes não se comparavam aos das décadas anteriores. Para recuperar o fulgor mudou de ares e levou consigo um dos bens mais preciosos de Hollywood: Scarlett Johansson. Foi tudo o que precisou para voltar à ribalta e para conquistar novos públicos. Depois de dois aclamados filmes com Johansson todos esperavam mais algum projecto para a jovem actriz. Fintando as expectativas de todos, Allen apresenta-nos um filme feito para personagens masculinas e, contrariando a tendência dos últimos anos, não actua. Os eleitos foram Colin Farrell e Ewan McGregor, dois dos mais conhecidos actores da actualidade. As suas nacionalidades, respectivamente irlandesa e escocesa, não o impediram de os colocar como londrinos de gema. Juntando mais alguns nomes do cinema britânico e descobrindo novas estrelas - atenção a Hayley Atwell, combina beleza e talento - completou o elenco.
Estamos bem distantes dos tempos em que, por uma mulher, duas nações se enfrentaram até à morte. Se é certo que nunca houve uma mulher como Helena, também nunca houve nenhuma como Cassandra, a irmã do seu raptor. No início do século III antes de Cristo, Licofon escreveu um extenso poema dedicado a Cassandra. Mais de mil linhas narram ficcionalmente o ponto de vista do guarda incumbido de a vigiar e de anotar as suas profecias. Perto do final uns versos dizem Tanto ela falou e depois correu de volta para a sua prisão / Mas no coração entoou o seu último canto de sereia. Tão bem pode ser resumida a vida de Cassandra! Por recusar dormir com Apolo foi amaldiçoada. As suas profecias sempre verdadeiras passaram a ser tomadas como falsas. Aprisionada e impotente perante a queda do reino, lançou um último grito, um grito de perdição. E, como um navio, a cidade seguiu ao encontro do que a destruiria. Apesar de ser possuidora das melhores intenções, o nome da princesa troiana ficou para sempre associado à profecia de calamidades.
No século XXI um jovem muito dedicado às apostas ganha uma fortuna apostando num cão chamado “Cassandra’s Dream”. Decidido a colocar um ponto final nessa etapa da sua vida, quando sofre esse golpe de sorte gasta o dinheiro na compra de um barco a meias com o irmão. O sonho que tinham desde crianças é agora realidade. Infelizmente não seguem o exemplo dos antepassados que descobriram no mar a alegria. Cada um persegue ainda os seus sonhos. Dois caminhos para a felicidade que pareciam tão diferentes e afinal são tão semelhantes. Como sempre o problema é o dinheiro, a falta dele. A Ian falta para começar a vida sonhada com a recém-encontrada mulher dos seus sonhos, a Terry falta porque o jogo depressa tira o que deu. O tio ausente sempre foi um exemplo de sucesso e quando estão mais necessitados eis que surge em pessoa. Numa reviravolta, o visitante que lhes podia resolver todos os problemas financeiros, traz-lhes um novo, bem mais difícil. O dinheiro perde o significado quando são colocados perante um crime, e o barco, apesar de ancorado pelos proprietários e esquecido pelos espectadores, continua a ser prenúncio de desgraça.
A família, o amor, a angústia e o arrependimento, todos tomam o seu lugar nesta tragédia grega. O argumento não é brilhante e repete alguns temas do realizador. O exemplo mais berrante é o desfecho marítimo, tão semelhante ao recente “Scoop”. Mas se no projecto anterior a simplicidade e a imprevisibilidade eram vantagens, aqui parece ficar muito por contar. Só a permanente troca de protagonista esconde a inconsistência das personagens, das menos interessantes que o realizador já nos trouxe. É um filme que se vê com prazer, mas fica muito abaixo dos anteriores. De um mestre espera-se sempre mais.
| Título Original: "Cassandra's Dream" (EUA, Reino Unido, 2007) Realização: Woody Allen Argumento: Woody Allen Intérpretes: Ewan McGregor, Colin Farrell, Sally Hawkins, Hayley Atwell, Tom Wilkinson Fotografia: Vilmos Zsigmond Música: Philip Glass Género: Crime, Drama Duração: 108 min. Sítio Oficial: http://www.cassandrasdreammovie.com/
|
loading...
-
Critica - Cassandra's Dream (2007)
Realizado por Woody Allen Com Ewan McGregor, Colin Ferrel, Hayley Atwell Um novo Woody Allen é sempre um bom motivo para ir ao cinema. Principalmente este Woody Allen, aparentemente renovado pelos ares de Londres. O Sonho de Cassandra, não estando talvez...
-
Dirigindo No Escuro
(Hollywood Ending, EUA, 2002) Comédia Direção: Woody Allen Elenco: Woody Allen, George Hamilton, Téa Leoni, Debra Messing, Mark Rydell, Treat Williams Roteiro: Woody Allen Duração: 112 min.Nota: 6/10 Ver um filme do Woody Allen é sempre certeza...
-
"scoop" Por Nuno Reis
Sondra Pransky: You are a cynical crapehanger who always see the glass half-empty! Sid Waterman: No, you're wrong. I see the glass half full, but of poison. Por uns momentos Woody Allen deixou de procurar um substituto. Deixou de tentar transformar...
-
Diário De Sitges 2007
Dia 8 de Outubro Num dia em que os filmes desiludiram a aula foi magnífica. Em Sitges todos os dias algum dos maiores nomes do cinema discursa sobre o seu trabalho, técnica ou inspiraçã. Depois de Alex Proyas e George Romero ontem calhou a...
-
"melinda And Melinda" Por Nuno Reis
Passaram-se décadas desde o último drama de Allen. Quando se recorda os tempos áureos dele é das comédias que todos falam. Apesar de Allen não se ter imortalizado com os dramas é um génio comprovado em comédias dramáticas e os imensos fãs do...
Cinema