Cinema
"Peeping Tom" por Nuno Reis
Vimos diversas vezes o Cinema ser retratado como escape da realidade e como paixão exacerbada. Também já serviu de salvação, mas quantos se lembrarão do Cinema como objecto de obsessão e motivo de crime? Foi precisamente por ninguém esperar isso, que “Peeping Tom” teve tanto sucesso quando foi lançado. Tanto sucesso que o seu realizador, depois de dezenas de filmes, de passar pelos três grandes festivais e de ser nomeado como argumentista tanto pela Academa americana como pela inglesa, teve de se retirar da indústria como um proscrito. Foi um filme demasiado violento e realista para a maioria.
Mark é o protagonista. Ele combina a paixão por ambas as utilizações de câmaras e vive disso. Oficialmente trabalha em cinema, mas faz uns biscates tirando fotografias eróticas numa loja. No mundo do cinema convive com a falsidade, no da fotografia com mulheres deselegantes. Esse descontentamento faz com que se isole do mundo e só por acaso conhece a vizinha de baixo. Helen estava a festejar o seu aniversário e viu-o passar. No espírito da festa convida-o, mas ele recusa. Isso será o início de uma relação quase normal entre os dois. O único problema é que ele tem de matar pessoas. Não é por gosto, é porque procura a expressão perfeita de medo. Helen começa a entrar no mundo dele e a compreender os traumas que Mark enfrentou na infância. Terá tempo de o transformar antes de se tornar na próxima vítima?
Pode o cinema levar à loucura? Muita gente diz que sim, mas acompanhar este sociopata na fase terminal é uma experiência única. Se ele apenas filmasse os crimes seria macabro, mas não relacionado com cinema. Aqui a questão é que ele assiste aos filmes projectados em tela. Através da câmara junta ao acto de encurtar uma vida, o de alongar a morte. Dá como último pensamento que a morte não será um acto privado. Está a ser vista e será vista eternamente. É esse toque de perfeccionismo na tortura que o torna num dos monstros mais memoráveis da história do Cinema. Isso, e o detalhe de saber como se tornou naquilo que é e como o Cinema lhe serve de refúgio numa sociedade na qual não sabe viver. Ele não tem culpa, não lhe foi ensinado como ser normal.
Para Powell "
Peeping Tom" foi quase o último filme. Foi também a sua obra-prima. No mesmo ano em que Hitchcock se consagrou com "
Psycho", também este inglês seguiu um rumo pouco convencional para a fama. Foi banido e escondido num espaço de dias, tanto no Reino Unido como nos EUA. Terão ficado assustados ao pensar que haveria um fundo de verdade na história? É que Powell, a esposa e o filho representam o jovem Mark e os pais. Até a câmara era do realizador. Percebe-se por que razão, filmes do mesmo argumentista não são sequer exibidos.
Pelo que se comenta a rodagem do filme roçou a loucura e a censura arruinou muitas das melhores cenas. Mesmo assim continua extremamente eficaz, por isso só resta imaginar como seria a versão
hardcore.
Com o passar do tempo e a mudança das mentalidades, o filme recuperado por Scorsese acabou por conquistar um lugar de prestígio no panorama cultural. Precisou de vinte anos para ser digerível e moralmente aceitável, mas isso só se aplica a um primeiro visionamento. Ao rever, o choque será bem maior e a polémica voltará a ganhar força. Todos se tornarão "Vítimas do Medo".
| Título Original: "Peeping Tom" (Reino Unido, 1960) Realização: Michael Powell Argumento: Leo Marks Intérpretes: Karlheinz Böhm, Moira Shearer, Anna Massey, Maxine Audley Música: Brian Easdale Fotografia: Otto Heller Género: Crime, Horror, Thriller Duração: 101 min. |
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