Cinema
"Zelig" por Nuno Reis
Ainda o mundo não se tinha acostumado aos mockumentaries e já Woody Allen ia no segundo. De um ponto de vista tecnológico em “Zelig” supera tudo o que tinha feito em “Take the Money and Run”. Aqui o objectivo não passa por fazer comédia linear, mas por fazer um filme dos anos 30.
Leonard Zelig é apresentado como uma pessoa suspeita que aparecia no meio de um grupo e se fazia passar por um membro dele. Não só na forma de falar, como também na de pensar e mesmo ao nível da parecença física. Zelig é um símbolo do conformismo. Este homem ansioso por se integrar na sociedade e com falta de auto-estima é um qualquer sujeito de uma civilização que despreza a individualidade e a diferença. que sobrevive adoptando costumes e maneios que não lhe são naturais. Claro que tudo isso é exagerado levando a que Zelig sofra alterações físicas impossíveis, como ganhar peso e barba ou mesmo mudar de raça.
Este será provavelmente o filme mais inteligente de Woody Allen. Aqui combina-se a homenagem a toda uma época do Cinema, uma pequena história de amor e roça o tema da Segunda Guerra Mundial. Há inclusivamente um falso filme dentro do filme, "The Changing Man" supostamente seria uma ficção baseada na vida de Zelig. Quem procurar um filme apenas pelo entretenimento vai bem servido, quem procurar um estímulo intelectual tem aqui muito alimento para o cérebro. A história inicialmente filmada tinha apenas 45 minutos, mas a meia hora extra com imagens de multidões e música não dilui a qualidade por ficar perfeitamente integrada.
A naturalidade com que o narrador fala deste caso dá ao filme uma autenticidade que falta a alguns verdadeiros documentários. Toda a época foi recriada em função deste fenómeno. Músicas foram inventadas e vídeos e jornais foram manipulados de forma a colocá-lo no centro dos acontecimentos, como anos mais tarde foi feito em maior grau com “Forrest Gump”. Além de ter sido usado equipamento dos anos 20 e ter sido revelado por técnicos (reformados) dos anos 30, o próprio filme foi maltratado - literalmente pisado e molhado - para parecer envelhecido.
Isto é um exemplo de como se pode destruir os limites sem ter de recorrer a CGI e usando apenas a criatividade. Veio num ponto crítico da carreira e se não bastou para recuperar quem esperava pelo velho Allen pelo menos prenunciou o que seria uma nova fase dourada do cineasta.
| Título Original: "Zelig" (EUA, 1983) Realização: Woody Allen Argumento: Woody Allen Intérpretes: Woody Allen, Mia Farrow, Patrick Horgan (narrador) Música: Dick Hyman Fotografia: Gordon Willis Género: Comédia, Fantasia Duração: 79 min. |
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