Em todas as partes do mundo, o cinema foi antecedido por vários produtos que, funcionando como antenas previsoras, abriam caminho para a grande novidade. Em São Paulo, os fatos sucederam-se segundo o manual de qualquer história do cinema: instrumentos óticos, grandes painéis, sombras chinesas e outros artefatos encobertos por pomposos nomes de origem latina ou grega.
Em 1834, Jean Jacques Vioget pede licença para abrir na cidade uma ?câmara ótica para divertimento público?, certamente uma lanterna mágica incrementada.
Já no fim do século, alguns pacatos cidadãos, como Benjamin Schalk, possuem uma lanterna mágica com 250 discos, enlevo dos familiares e vizinhos.
A partir de 1890, os jornais anunciam com certa constância o ?Teatro Mecânico Cardinalli?, ?Panorama-Diorama? e os fonógrafos, irmãos xifópagos do kinetoscópio. Por último, o cinema.
No dia 7 de agosto de 1896, na primeira página do jornal ?O Estado de S.Paulo?, aparecia um artigo, evidentemente pago, intitulado ?Um pouco de Sciência?. Nele fazia-se uma síntese daquilo que hoje chamamos de pré-história do cinema. Falando em Marey, Lumière e Edison, entre outros, citava inúmeros aparelhos científicos que redundariam no cinematógrafo, que obtinha enorme sucesso em Paris e em outras grandes cidades européias. O trabalho era uma tradução de um artigo francês de George Villoux.
Este artigo continuou no dia 9, quando informou que um kinetoscópio funcionara meses atrás na paulicéia. Nada obtivemos nos vários jornais consultados que confirmasse esta informação.
Ao artigo do dia 9, que deixava entrever claramente uma continuação, fez-se um longo intervalo e só a 17 de agosto teríamos a terceira parte. Na conclusão, em notícia de rodapé, anunciava simplesmente que o cinema já se encontrava em São Paulo, funcionando num prédio.
Não encontramos neste jornal nenhuma referência, nem mesmo junto aos anúncios de teatros, que localizasse a rua, horário, preços e demais informações comuns ao gênero de diversões.
Porém, no dia 8 de agosto, ainda na primeira página, aparecia um artigo com o título:
Photographia Animada
?Realizou-se hontem à noite, com a assistência do Presidente do Estado e de alguns convidados, a repetição geral do cinematographo, aparelho que reproduz num alvo, scenas variadas, dando-lhes realce e cunho de vida, o que valeu a este processo de photographia, o nome de Photographia Animada.
Constou o programa das seguintes vistas:
O banho dos sudanezes;
O cachorro: dois cachorros nadando;
O carroção;
O trem: um trem parado numa estação com o vaivém dos passageiros;
O meil-coack de volta das corridas;
O bebezinho: uma criança brincando com cachorros numa sala;
A Praça da Bastilha.
Sem entrar em detalhes, pois a todos será em breve dado deliciarem-se com estes espetáculos, resumiremos as nossas impressões nestas palavras: admirável, assombroso. É digno de louvores, o photographo Sr. Renouleau que introduziu nesta Capital o primeiro Cinematographo que trabalha na América do Sul.?
Apesar da clara orientação comercial do anúncio, este é um dos raríssimos documentos críticos sobre uma projeção cinematográfica em São Paulo, até fins de 1899, que conseguimos. Nele algumas coisas ficam confusas para o pesquisador que procura dados exatos. Por longo tempo ficamos confusos com a aparente incoerência de noticiar-se ?a repetição geral?, quando na verdade aquela era uma sessão inaugural. Abordando o assunto com uma pessoa amiga, ela nos sugeriu que ?repetição geral? bem podia ser uma tradução literal e errada de répétition générale. Pesquisas posteriores confirmaram a suposição. Répétition générale na França corresponderia, aqui no Brasil, a uma primeira sessão especial, para público selecionado, normalmente em trajes de cerimônia.
Após a enumeração dos filmes, anuncia-se que ?em breve seria dado deliciarem-se...?, coisa que não coordena com a realidade, pois no dia 8, a ?Platéia? e o ?Diário Popular? inserem os primeiros anúncios da projeção de cinema em jornais de São Paulo.
Do emaranhado de informações que uma redação inábil quase transforma em hieróglifo, podemos concluir que a primeira sessão de cinema em São Paulo deu-se, de forma privada, a 7 de agosto, com a presença de Campos Sales, secretários de Estado e familiares, podendo equiparar-se às que Lumière deu, por exemplo, em março e setembro de 1895, quando dos congressos de fotografia. A pública e paga aconteceu no dia imediato, 8 de agosto, sábado, que na época devia ser o mais propício, pois a maioria das estréias teatrais acontecia nesse dia da semana. Foi também num sábado, a 28 de dezembro de 1895, que o cinema Lumière teve seu batismo público na França.
Parte do texto ?As primeiras projeções na cidade de São Paulo?, de Máximo Barro, publicado no periódico ?Filme Cultura? - nº 47 - Agosto de 1986.
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Máximo Barro
Produtor, diretor e montador de diversos curtas e longas-metragens. Foi professor da FAAP. Atualmente, atua como pesquisador cinematográfico. É autor de vários livros, entre eles:
?A primeira sessão de cinema em São Paulo? ? Editora Tanz do Brasil ? 1996
?Caminhos e descaminhos do cinema paulista: década de 50? Editora do Autor ? 1997
?Vittorio Capellaro ? O caçador de diamantes? ? Coleção Aplauso Imprensa Oficial do Estado de São Paulo ? 2004
?Sérgio Hingst ? Um ator de cinema? ? Coleção Aplauso ? Imprensa Oficial do Estado de São Paulo ? 2005
?José Carlos Burle ? Drama na Chanchada? ? Coleção Aplauso Imprensa Oficial do Estado de São Paulo - 2007
?Agostinho Martins Pereira ? O idealista? ? Coleção Aplauso Imprensa Oficial do Estado de São Paulo? ? 2008
Os livros da ?Coleção Aplauso? são encontrados nos sites ?2001 Video? e ?Livraria Cultura? e os demais livros no site ?Estante Virtual?.