Existem alguns nomes na cultura nacional que merecem toda a reverência por seu histórico artístico. Se na música temos o nome de Chico Buarque no mais alto patamar, no cinema temos as imagens impressionantes de Walter Carvalho.
Em universos diferentes daquele que fizeram seus nomes, Budapeste junta a prosa de Chico com a direção de Carvalho e esta não era a primeira vez de nenhum dos dois em uma nova função. É o terceiro romance do compositor, superior aos dois anteriores Estorvo e Benjamin, e é terceiro filme dirigido pelo fotógrafo, sem considerar as codireções em Janela da Alma e Cazuza.
Os dois nomes já chegam antes mesmo de qualquer coisa produzida por eles. Se Estorvo e Benjamin não eram bons livros, pouco se falava sobre o assunto. A tentativa do maior compositor da língua portuguesa adquiria uma aura mágica e era superior a qualquer outro valor. Com o fotógrafo também não é diferente: toda a sua trajetória lhe rendeu inúmeros prêmios (entre eles sete candangos e dois kikitos) e sua persistência deu a ele um caráter de representante da sétima arte no Brasil que nada no mundo pode apagar.
Mas, infelizmente, Budapeste é um filme que não chega a acontecer. Tanto na adaptação de Rita Buzzar, como em todos os movimentos de cenas e seus quadros estudados, não existe a liberdade que Chico faz questão de manter durante todo o livro. Apesar de boas sacadas e de trechos de impossível transposição, algumas soluções (como história da estátua do autor) parecem estar ali mais para explicar alguma coisa do que pela arte em si.
A história contada é a de José Costa, ou Kósta Zsoze, um ghost writer dividido entre dois mundos. E se há um lugar ideal para se estar dividido é Budapeste, capital da Hungria, a união de duas cidades, Buda e Peste, separadas pelo rio Danúbio. O jogo de espelhos de Kósta reflete em uma outra realidade a sua própria vida. Brasil/Hungria, português/húngaro, Vanda/Kriska, o filho de Vanda/o filho de Kriska e, claro, Kósta/Costa.
Indiscutivelmente, é na fotografia de Lula Carvalho, filho de Walter, que Budapeste acha sua maior qualidade e a beleza dos quadros, mais de uma vez, faz com que alguns deslizes sejam menosprezados. A Budapeste sabe ser linda, frenética e completamente inusitada. O Rio chega diferente, mesmo com tantos traços iguais.
Mas a qualidade pode chegar perto de ser um defeito. Como todo filme dirigido por alguém que sempre esteve por trás dos desenhos de quadro, da coordenação das câmeras e da iluminação, Budapeste privilegia além da conta o visual e o problema aumenta se levada em conta a influência enorme entre o fotógrafo e seu pai, o diretor.
Cenas plasticamente maravilhosas, como a da estátua de Lênin desmontada descendo o Danúbio impressionam, mas vez por outra tiram a atenção do espectador da história. Um apego muito grande às cenas de nudez (Pedro Cardoso, é melhor você ignorar o filme para não infartar), que apesar de serem montadas com cuidado, passam da conta na duração e aumentam ainda mais a impressão de que o filme é mais uma exposição de belas cenas do que uma história contada.
O roteiro também peca, ao tentar deixar mais palatável e comercial um filme que não precisa de tanta explicação assim. Por um lado nota-se essa vontade de soltar as rédeas e deixar tudo ganhar vida, mas por outro tudo parece travado e adequado demais. Como qualquer figura simétrica, previsível e enfadonha.
Os problemas também aparecem no elenco. Leonardo Medeiros, um de meus atores favoritos do cinema, não está mal, mas está estranho. Talvez pela língua que não dominasse, mas nisso temos até que reconhecer a capacidade do rapaz ao transmitir um sentimento, mesmo que contido, sem a menor idéia do que está dizendo, ou pelo sentimento de que o cenário era muito mais importante do que ele.
Das belas mulheres que desfilam pela tela, a que mais se destaca é a hungara Gabriela Hámori. Muitas das cenas de sua personagem, Kriska, com Kósta parecem tão naturais que podem ser consideradas o ponto alto do filme.
A participação de Chico Buarque é uma homenagem, mas não tão indispensável assim, apesar de ser bem divertida no contexto em que é apresentada. Outras passagens também assumem esse tom de reconhecimento e agradecimento. Que o diga Paulo José.
É entre tantos equivocos e alguns acertos que Budapeste sai das folhas de um livro e ganha as telas. Agradando alguns e desagradando outros, gera um sem número de comentários nas mais diferentes direções e deixa muita gente desconfortável, como eu, que estou odiando escrever um texto assim, pois Walter Carvalho é um dos meus ídolos.
Com suas imagens, ele sempre conseguiu me levar longe demais e figura no topo da lista dos mais respeitados por mim no cinema nacional. Assim como Chico na música brasileira. Mas, no final das contas, o cantor ainda é melhor escrevendo prosa do que Water Carvalho dirigindo ficção.
Um Grande Momento
Os dois conversando sem conversar no banco.
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Drama Direção: Walter Carvalho Elenco: Leonardo Medeiros, Gabriella Hámori, Giovanna Antonelli, Ivo Canelas, Antonie Kamerling Roteiro: Chico Buarque (livro), Rita Buzzar Duração: 113 min. Minha nota: 4/10
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