Odiado por muitos pela violência extrema e por outros pela repetição de tudo que já foi feito antes, Quentin Tarantino (Pulp Fiction) é um nome que passou a ser referência no cinema justamente por saber como transitar entre referências com muito respeito e sem medo e por uma capacidade, quase doentia, de escancarar cenas chocantes alterando a reação da platéia.
Em seu primeiro longa-metragem, Cães de Aluguel ele já apresenta todas as características que o tornariam único no cinema. Surgido em uma época criativa estagnada, ousado, barato e bem escrito, Cães de Aluguel já nasceu marco justamente por sua qualidade de reinvenção.
A história de um roubo frustrado e a angustia psicológica pela descoberta daquele que teria traído o grupo estréia na vida dos espectadores com uma conversa sobre o significado de ?Like a Virgin?, da cantora pop Madonna, em uma mesa cheia de homens bem vestidos, enquanto o mais velho deles repete nomes de uma agenda em voz alta.
A escolha por uma montagem cheia de idas e vindas, com cortes temporais arriscados e o uso de elementos ultrapassados acaba dando ao filme um toque todo especial que passou a fazer parte da filmografia Tarantino e sempre ajuda a criar o suspense necessário para a manipulação da violência.
O diretor/roteirista brinca o tempo todo com sua história. Antecipa soluções e procura deixar pistas em pequenos gestos. Para isso a desenho de produção e a cenografia, de David e Sandy Reynolds Wasko (Kill Bill) se torna uma peça fundamental.
Logo de cara o figurino de Betsy Heimann (Quase Famosos) se encarrega de remeter aos velhos filmes de gângsters e preparar o espírito dos espectadores. As referências a Alvo Duplo, de John Woo são tão instantâneas quanto à lembrança de O Sequestro do Metrô só pelos nomes dos criminosos.
Na ambientação, a prioridade é mostrar interiores sempre brancos, objetos coloridos dão toques sobre o que está acontecendo, quais são as peças importantes e que definição cada cor tem na trama.
O local onde maior parte do filme se passa é quase uma personagem. Se em alguns momentos parece ser apenas um depósito cheio de coisas vazias, em outros lembra um hospital e se revela quando Mr. Blode espera o desenrolar de uma ação sentado em cima de um rabecão.
A trilha sonora, outra parte sempre muito bem trabalhada nos filmes de Tarantino, é definida por canções famosas dos anos 70 e se encaixam com o uso de uma estação de rádio que ligará toda a trama, K-Billy, a mesma usada por Tarantino em seu primeiro curta-metragem, My Best Friend's Birthday.
Completamente tenso, parece que, de repente, tudo vai explodir em uma cena tão violenta quanto somos capazes de suportar. Sem saber, somos preparados pelo diretor, para ver algo ainda pior. Como se ele pudesse manipular o limiar de violência das pessoas. Várias sequências demonstram isso: tanto a inofensiva mas angustiante passagem de Mr. Orange no banheiro com os policiais e o cão, quanto a torturante de Mr. Blonde e o policial refém, que não precisa ser mostrada para ser sentida.
Entre as muitas outras referências que podemos citar estão o simples fato de ter Edward Bunker no elenco (o personagem de Jon Voight em Fogo contra Fogo é baseado nele), as semelhanças entre Vic Vega e Max Dembo (Liberdade Condicional), falas de filmes como Anjos de Cara Suja , cenas inteiras de Perigo Extremo e, a mais legal de todas, um vestido usado na noite de 22 de julho de 1934.
Referências futuras também podem ser encontradas no filme e remetem a sucessos posteriores de Tarantino como diretor e roteirista: Pulp Fiction, Jack Brown, Amor à Queima-Roupa e Assassinos por Natureza.
Apesar de toda a excelência, o filme tem pequenos deslizes e se a reação de um personagem é incoerente, como a de Joe ao final, outras são prejudicadas pela atuação vacilante, como a de Kirk Baltz. Músicas que somem também estão no pacote dos defeitos, mas tudo isso é insignificante no resultado.
E é por isso tudo que Cães de Aluguel é um filme fundamental para a compreensão da obra de um dos mais geniais diretores da atualidade.
Merece ser visto mais de uma vez!
Um Grande Momento
O final.
Prêmios e indicações(as categorias premiadas estão em negrito) Fantasporto: Filme
Sundance: Grande Prêmio do Júri
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