Crítica - Child 44 (2015)
Cinema

Crítica - Child 44 (2015)


Realizado por Daniel Espinosa
Com Tom Hardy, Gary Oldman, Noomi Rapace 

Quando foi anunciado, "Child 44" saltou rapidamente para a lista de produções cinematográficas mais aguardadas de Hollywood porque, entre vários atributos, aparecia rotulado como mais um ambicioso projeto produzido pelo consagrado Ridley Scott que seria protagonizado por um elenco recheado de prestigiadas e populares estrelas de Hollywood como Gary Oldman, Tom Hardy, Noomi Rapace ou Joel Kinnaman mas, para além destes factos nobres e relevantes, o que realmente chamou a atenção da imprensa e dos especialistas foi a sua base narrativa, já que "Child 44" é uma adaptação cinematográfica do homónimo livro best-seller da autoria de Tom Rob Smith que, junto da crítica literária, é amplamente considerado como um produto de elevada competência que aposta num combinado de qualidade entre uma intriga criminal e uma intriga política que se desenrolam em uníssono no seio de um potente cenário sociopolítico com ramificações históricas bem reais e dramáticas. Tal enredo tão aplaudido por ser tão amplo e socialmente profundo tem como personagem principal Leo Demidov, um jovem soldado russo que foi subindo na complexa hierarquia do KGB até se transformar numa estrela das investigações de atividades dissidentes. Os seus problemas começam quando captura, juntamente com o seu sádico colega Vasili, um suposto espião chamado Anatoly Tarasovich Brodsky, que, após um brutal interrogatório, indica o nome de Raisa, a bela esposa de Leo, como cúmplice da conspiração de que supostamente faz parte. Perante esta informação, Leo é forçado a investigar Raisa, mas entretanto também se ocupa do caso do corpo de um rapaz que foi encontrado ao longo da linha de comboio que liga Moscovo ao resto do país. Apesar de pistas em contrário, Leo descreve tal morte suspeita como um acidente ao pai do rapaz, o agente do KGB e seu grande amigo, porque o estalinismo decretara que não existem crimes no paraíso comunista. Quando Leo recusa denunciar a esposa e continua a investigar o caso da morte do rapaz como um homicídio, o Comandante do KGB exila o casal na dura cidade industrial de Volsk, onde Leo e Raisa descobrem que o filho do seu melhor amigo é apenas uma entre múltiplas vítimas de um prolifero serial killer que, graças à política criminal soviética, continua a praticar crimes macabros sem que seja capturado.


No papel, "Child 44" parecia portanto ter tudo para ser um filme tão poderoso como o próprio livro em que se baseia, aliás basta ler a premissa acima descrita, que tanto se aplica ao livro como ao filme, para compreender que, para além de pegar numa intriga criminal potencialmente interessante que até tem como base os crimes verídicos de um serial killer russo, "Child 44" pega ainda numa intriga sociopolítica profundamente curiosa que nos retrata de um ponto de vista ligeiramente diferente o clima de insegurança que se vivia no auge ditatorial da União Soviética de Joseph Stalin. A grande falha de "Child 44" é que falha todas as suas promessas e passa ao lado de um potencial comprovado para fluir num resultado final que, no máximo, apenas pode ser descrito como surpreendentemente mediano. Para começar, "Child 44" desenvolve quase às quatro pancadas e sem o fulgor necessário a investigação criminal que o protagonista leva a cabo para encontrar o real responsável pelos homicídios de crianças que vão aparecendo em cena quase de paraquedas. Tal investigação é tão mal tratada e tão medianamente abordada que, no final, pouco impacto tem no espectador e apenas pode ser classificada com toda a justiça como um pobre elemento secundário que mais valia não ter sequer feito parte do guião. A pobre construção de tal investigação, que resulta de muita atrapalhação narrativa e de uma incomplexa articulação de elementos e ideias, pouco faz justiça ao livro ou ao caso real em que se baseia, estando assim repleta de lapsos imperdoáveis que afetam toda a estutura, contexto e motivação de uma intriga criminal que, simplesmente, precisava de mais vigor dramático e de um maior clima de suspense a rodeá-la.


É claro que "Child 44" é supostamente mais que um thriller criminal e, por isso, tem mais vida para além da já tão criticada investigação criminal levada a cabo pelo protagonista. O problema é que, ao contrário do que acontece no livro, o filme não conseguiu articular as suas componentes criminais com a parte mais sociológica e política da trama, algo que resulta nas críticas já feitas a que acresce um certo distanciamento dramático e até sociocultural no que toca à abordagem mais politica que é feita à relação do protagonista com o regime comunista para o qual trabalha e perante as suas operações corruptas e injustas. É certo que o retrato politico que nos é apresentado e que mostra sem espinhas a insegurança, a pobreza e a corrupção que se vivia em todos os quadrantes da União Soviética da Era Stalin está bem apanhado, mas para além desta visão negra seria necessário também atribuir uma certa profundidade emocional e moral a tal retrato que, apesar de existir, é inexpressivo perante os eventos do próprio filme e a dimensão do contexto em que a ação se desenrola. Embora aja uma clara tentativa com mérito de explorar o lado negro do comunismo soviético, esta peca ainda assim por escassa perante todas as oportunidades que são atribuídas pela própria ação que, perante as várias questões sociológicas ou sociopolíticas que derivam dos eventos que são retratados, tinha oportunidades e um grande espaço de manobra para ir mais longe e para aprofundar temas que, no fundo, apenas são levemente referenciados, como por exemplos os efeitos humanos da propaganda comunista e da consequente lavagem cerebral junto do povo.
No fundo, "Child 44" tinha espaço e oportunidades de sobra para não se tornar tão oco e enfadonho, mas a triste realidade é que os seus responsáveis, mesmo perante todo o potencial que tinham à sua disposição, conseguiram a proeza negativa de apresentar um thriller dramático sem uma espinha dorsal empolgante e com um amplo espirito criminal ou social que, assim, apenas poderia descambar num resultado final pouco merecedor de elogios que coloca em evidência algumas más opções que foram tomadas por figuras que são conhecidas por já terem feito coisas muito melhores. Uma palavra final para o seu tão badalado e luxuoso elenco, onde apenas Tom Hardy convence sem margem para grandes dúvidas, já que estrelas como Noomi Rapace ou Gary Oldman não se conseguem destacar por força de uma performance menos positiva, mas também por culpa de um guião claramente mal trabalhado.

Classificação - 2 Estrelas em 5



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