Crítica - Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring (2001)
Cinema

Crítica - Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring (2001)


Realizado por Peter Jackson
Com Elijah Wood, Ian McKellen, Viggo Mortensen, Orlando Bloom, Ian Holm, Cate Blanchett

Era uma vez um menino que viu o King Kong e se apaixonou irremediavelmente pelo cinema. Passados vários anos, esse menino, agora num corpo adulto mas com o mesmo brilho nos olhos andou de estúdio em estúdio a tentar convencer produtores milionários a transformar uma das mais emblemáticas obras literárias de sempre em três filmes, ou antes num mega-filme em três partes, filmadas ao mesmo tempo mas a estrear com um ano de intervalo entre si. Uns chamaram-no sonhador, outros tentaram reduzir o seu sonho a um objecto mais comercialmente viável (que é como quem diz, um único filme baseado nos três livros), mas houve alguém ainda mais louco do que ele que lhe fez a vontade. E foi assim que Peter Jackson realizou (nos dois sentidos) uma das mais ricas e emotivas experiências da história do cinema.


"O Senhor dos Anéis" de J.R.R. Tolkien é uma obra completíssima e intricada, muito detalhada e minuciosa na construção de todo um mundo que nos remete para os lugares recônditos do nosso subconsciente, e se nos apresenta como extraordinariamente familiar, como se fazendo parte de um imaginário colectivo. Um mundo fantástico cheio de simbolismo e povoado de personagens que compreendemos inerentemente, cujas acções, paixões, lutas, medos reconhecemos de imediato. Passar este mundo e estas sensações para o grande ecrã era um desafio a todos os níveis.
A história começa com o aniversário de um hobbit, pequenas criaturas que apreciam os pequenos prazeres da vida e que não têm grandes preocupações. Mas este hobbit é um pouco diferente: viajou por toda a Terra Média e está impaciente por partir de novo. O seu nome é Bilbo Baggins (Ian Holm) e, sem saber, mudou o curso da História e traçou o destino do seu sobrinho e herdeiro Frodo (Elijah Wood). Há muito muito tempo, tanto que só elfos e feiticeiros recordam, Sauron, o Senhor das Trevas, aliciou os reis de cada raça com anéis de poder. Em segredo, forjou um outro anel para si, o Anel Um, onde colocou toda a sua essência e com o qual vergou todos os que tinham cedido à ambição, mergulhando a Terra Média numa era de terror. Numa sangrenta batalha contra Sauron, o corrompido coração do Homem sedento de poder não foi capaz de destruir o Anel. Dado como perdido, esperou séculos até encontrar o veículo que o devolveria ao seu Senhor, indo parar às mãos do puro e inocente Bilbo. Frodo vai receber a pesada herança e tentar o impossível: chegar à Montanha da Perdição onde o anel foi forjado e destruí-lo. Para isso contará com a ajuda da Irmandade do Anel, constituída pelo feiticeiro Gandalf (Ian McKellen), o seu fiel amigo Samwise (Sean Astin), os tolos Merry (Dominic Monaghan) e Pippin (Billy Boyd), o elfo Legolas (Orlando Bloom), o anão Gimli (John Rhys-Davies), o herdeiro de um dos reinos humanos Boromir (Sean Bean) e o misterioso Aragorn (Viggo Mortensen), com uma pesada ascendência. Mas o poder do Anel vem crescendo de dia para dia e há muitos que o desejam, como o feiticeiro renegado Saruman (Christopher Lee), outros invocados por ele, como os fantasmas dos reis humanos consumidos pelos seus anéis. E todos os seres vivos livres podem ser corrompidos por ele, ao apelar aos mais profundos desejos da alma. O primeiro filme (e o primeiro livro) conta a primeira etapa desta irmandade.



Esta demanda é, na verdade, uma demanda épica, ancestral, secular, desde que o Homem tem a capacidade de pensar e de conceber entre o Bem e o Mal, o certo e o errado. É a temática intemporal da luta interior da alma, da coexistência tumultuosa de luz e trevas no ser humano, do turtuoso caminho que temos de percorrer para nos conhecermos, para nos aceitarmos tal como somos, para nos depararmos com o desconhecido e vermos do que somos capazes. É quase uma derradeira verdade. E cada um dos elementos da Irmandade representa uma faceta humana, uma faceta dessa verdade: Frodo a inocência, Gandalf a sabedoria, Sam a lealdade, Merry e Pippin o coração, Legolas a frieza, Gimli a coragem, Boromir a fraqueza e Aragorn o conflito interno. Esta história é intemporal também porque fala da marca indelével que o Homem deixa à sua passagem na Terra. Fala da nostalgia de tempos passados irrecuperáveis, de uma terra maculada, de feridas que não saram. Fala da ambição desmedida do Homem por mais poder sobre as coisas que o rodeiam, sem nunca as respeitar. E, no meio de tudo, o amor e a amizade como forças que ligam tudo, que permitem suportar tudo, defrontar os demónios interiores e exteriores.
Um dos aspectos mais bem conseguidos é a inacreditável expressividade dos cenários e a sua capacidade em definir de imediato o ambiente e o tom emotivo de cada lugar e das personagens que o ocupam. O Shire, com a sua luz e cor, traça logo a personalidade dos seus habitantes e retrata o mundo antes das trevas, o mundo pelo qual vale a pena lutar. Contrastantemente, Isengard é ambíguo e Mordor tenebroso. Os reinos dos elfos são quase irreais, com uma qualidade de divino, maior que a vida. Com espaços físicos tão bem definidos por eles próprios, estamos livres desde muito cedo para nos embrenharmos nos espaços mentais, sentirmos tudo o que as personagens sentem, em particular Frodo. E vemos que, apesar de não terem praticado o mal, estas personagens vão ser sujeitos a dor e danos irreversíveis, porque o mal vence-se sacrificando a inocência, e é essa perda de inocência que vai doendo ao longo de todo o filme. A presença crescente das Trevas é palpável, reconhecemos esse medo inominável e somos empregnados por ele, porque ele já existe dentro de nós. É este o grande feito de Peter Jackson, conferir uma emotividade fora de série, muitas vezes apenas pela escolha do ângulo perfeito, ou dando-se ao luxo de prolongar momentos que à partida podem não ter importância directa. E não há dúvida que a música é crucial. A composição de Howard Shore roça a perfeição em cada tema. É um filme apaixonado, que não tem medo de ser demasiado triste, a condição humana é de facto trágica, e as personagens sabem-no e sentem-no, e os espectadores também. É um filme belíssimo, que pôs toda uma geração a sonhar e a esperar um ano e mais outro para entrar de novo e continuar a viajar neste mundo magnífico de beleza e angústia.

Classificação - 5 Estrelas Em 5



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