Com Matt Damon, Jessica Chastain, Kristen Wiig
A história de um astronauta que é dado como morto após uma tempestade e deixado para trás em Marte pela sua tripulação, tanto poderia render um imponente filme de sobrevivência com a dose certa de drama e tensão capaz de prender o espectador do início ao fim ou, então, um projeto enfadonho e sem qualquer ritmo ou fibra moral que eventualmente se torna risível graças aos seus mais que previsíveis lapsos científicos. O que é certo é que "The Martian" aproxima-se muito mais da primeira descrição, já que se trata efetivamente de um filme competente do ponto de vista narrativo e sobretudo técnico que explora com um aliciante conforto e criatividade a complicada jornada de Mark Watney, o tal astronauta que fica preso num planeta hostil com poucas hipóteses de sobrevivência, tendo agora que contar com a sua criatividade, inteligência e espírito de sobrevivência para encontrar uma maneira de sobreviver e, claro está, enviar para a Terra um sinal de que está vivo. A milhões de quilómetros de distância, os profissionais da NASA trabalham incansavelmente para trazer Watney de volta, enquanto, simultaneamente os seus colegas de tripulação planeiam uma ousada missão de resgate com parcas hipóteses de sucesso.
O sucesso de "The Martian" deve-se imenso a Ridley Scott, um dos cineastas mais experientes e competentes de Hollywood que, após uns fraquinhos "The Counselor" (2013) e "Exodus: Gods and Kings" (2014), regressou ao estilo cinematográfico que melhor lhe assenta, afinal de contas estamos a falar de um produto com toques de ficção científica sobre a exploração espacial que junta ainda fortes e bons elementos de sobrevivência, perseverança e drama humano que realçam o melhor que este cineasta muito especial tem para nos oferecer.
O seu toque de génio é desde logo visível na fantástica componente técnica que ostenta um toque equilibrado de perfeccionismo, delicadeza e extravagância que obriga todos os cenários desérticos de Marte a sobressair com um delicioso primor, mas entre todas as belas sequências de "The Martian" aquela que mais se destaca não tem lugar nas paisagens desérticas e vermelhas de Marte, mas sim nas proximidades espaciais do árido Planeta Vermelho. Estou a falar de uma sequência habilmente pensada e sobretudo competentemente coordenada com rasgos de semelhanças com as principais sequências espaciais de "The Gravity" (2013) que, no fundo, entrega ao espectador tudo aquilo que este deseja encontrar numa sequência do género, desde os complexos níveis de tensão à complexidade técnica que a mesma apresenta.
Esta sequência aparece na parte final do filme e oferece-lhe uma digna e competente reta final, mas esta escapa à descrição de conclusão perfeita porque o filme não termina efetivamente com a apoteose técnica e dramática que tal cena nos presenteia, mas sim com uma sequência muito mais frouxa e perfeitamente evitável que, de certa forma, surge como um dos pequenos mas importantes lapsos deste projeto que, assim, não acaba quando deveria efetivamente terminar e com isso perde uma clamorosa hipótese de deixar o público com uma excelente imagem de despedida. A este pequeno lapso juntam-se outros erros igualmente diminutos que ocorrem durante o longo desenvolvimento do guião que, em conjunto, ajudam a tornar esta obra num produto não tão perfeito e especial como seria de desejar, mas ainda assim Ridley Scott conseguiu transformar o homónimo best-seller de Andy Weir num belo e tenso thriller dramático com toques de ficção cientifica que, pese embora a sua longa duração, compreende-se e degusta-se sem dificuldades de maior.
Para além do óbvio tema central da sobrevivência, perseverança e solidariedade humana, que já agora é sempre explorado com uma inesperada ligeireza que, para surpresa pessoal, acaba por combinar na perfeição com o peso da seriedade e moralidade humana que está inerente a esta produção, "The Martian" puxa também, como já era de esperar, por uma forte componente científica, seja para explicar a sobrevivência do protagonista em Marte ou para explicar os planos de salvamento que a NASA põem em prática para o resgatar. Ao contrário, no entanto, de outros filmes também eles muito científicos, como "Interstellar" (2014), "The Martian" nunca se torna pedante ou excessivamente complexo com tais justificações, sendo sempre perceptível e lógico para qualquer espectador de qualquer faixa etária e quadrantes educacionais. É óbvio que tais explicações nem sempre têm a base científica mais correta ou concreta, sendo perceptível que "The Martian" comete alguns pecados nesta área, mas no conjunto geral da surpreendente mistura entre a ciência, o drama e até o humor, acaba por nos apresentar uma fórmula equilibrada e simples que convence em muitos dos seus parâmetros graças a combinações inteligentes e momentos impactantes.
É óbvio que um pouco mais de peso dramático e puro existencialismo sempre de forma moderada não o teria prejudicado em nada, mas o que importa é que o resultado final convence e, por isso, o público consegue ficar preso, do inicio ao fim, às peripécias marcianas e à jornada de sobrevivência de Mark Watney. Esta é uma figura muito afável por quem é fácil de nutrir sentimentos e compaixão, nem que seja pelo seu agradável carisma e sentido de humor que ajuda a descontrair o espectador e elevar o nível de entretenimento deste projeto.
Esta personagem tão competente é interpretada com amplo profissionalismo e personalidade por Matt Damon, um grande ator que desta forma assume uma grande personagem num grande filme com uma enorme facilidade e dedicação, algo que não está ao alcance de muitos atores e demonstra assim a enorme capacidade humana e técnica deste talentoso conceituado profissional que, quem sabe, poderá até chegar à nomeação ao Óscar de Melhor Ator, mas suspeito que tal não acontecerá face a enorme concorrência de peso que se avizinha.
O restante elenco está cheio de caras conhecidas, como Jessica Chastain, Kate Mara, Kristen Wigg, Jeff Daniels, Michael Peña, Sean Bean e Chiwetel Ejiofor, todos eles em papéis secundários que assumem sempre com a competência que todos nós lhes reconhecemos, mas lá esta, nunca se tornam em figuras essenciais e memoráveis porque o que realmente interessa neste projeto é o seu protagonista que, reforço novamente, é interpretado com enorme polivalência emocional por um enorme Matt Damon, tão enorme como um mais uma vez excelente Ridley Scott. Este portentoso cineasta conseguiu, a partir de uma excelente base literária, explorar uma forte trama dramática e científica que, apesar das suas características, foge ao pedantismo e nunca se aproxima do unidimensionalismo. E tudo isto graças a um par de boas ideias e às surpreendentes misturas que apuram um entretenimento muito aliciante que junta a esperada tensão dramática a um surpreendente humor que envolve, por exemplo, várias sonoridades musicais do século passado e tiradas muito peculiares de um sempre divertido protagonista.
Classificação - 4 Estrelas em 5