Crítica: A Janela da Frente (La Finestra di Fronte)
Cinema

Crítica: A Janela da Frente (La Finestra di Fronte)



Por Sintia Piol, convidada especial.

Giovanna, uma mulher bela, extremamente cansada de sua rotina, vive sobre stress diário e em uma relação conjugal infeliz a ponto de ruir a qualquer momento. Trabalha como contadora em um frigorífico e odeia seu trabalho. Adora cozinhar e fornece tortas em um café da vizinhança, é na cozinha que encontra seus momentos de prazer. Nas pausas para o cigarro, enquanto lava louça, observa pela janela um vizinho do prédio em frente. Este homem charmoso chama sua atenção e mexe com sua imaginação.

O marido de Giovanna, Fellipo, é um homem simples, operário sem ambição que não pára em nenhum trabalho, mas em compensação, é dono de um coração enorme. Esse casamento, estagnado e fadado ao fracasso passa ainda por mais tormentas quando eles encontram um idoso desmemoriado vagando pelas ruas e decidem leva-lo para casa, até que a polícia encontre sua família. O detalhe é que Giovanna, exausta com tantos afazeres, acaba se sobrecarregando ainda mais com esse senhor. Em compensação, a chegada do homem acaba trazendo consigo uma aventura já que Giovanna tentará desvendar quem é ele a partir de uma carta que encontra em seu paletó. Essa busca por pistas de quem foi, sua real história, acaba por transformar a vida da personagem de forma arrebatadora, lhe oferecendo novas possibilidades e um olhar diferente sobre o mundo e sobre si.

O clima de amor do passado do senhor, interpretado pelo grandioso Massimo Girotti, acaba envolvendo a protagonista, dando asas a sua sensualidade, condição feminina e como protagonista de sua própria história. Em uma situação inusitada, ela acaba conhecendo melhor o tal vizinho encantador, e este a auxilia na empreitada que cerca o idoso. Giovanna descobre que ela também povoa pensamentos de Lorenzo, o vizinho, ele já a observa e deseja há muito tempo. A partir daí surge um beijo, e a possibilidade de um tórrido romance, principalmente pelo fato desse bendito vizinho, de tirar o fôlego, ser ninguém menos do que o galã Raoul Bova.

Ozpeck, já conhecido por muitos filmes belos como Banho Turco e Le fate Ignoranti (conhecido por aqui com o título Um amor quase perfeito) desperta nessa obra inúmeras reflexões, das mais racionais às mais transgressoras, principalmente para as mulheres que levam a moral imposta pelo ideal da esposa fiel (mesmo que infeliz) a sobrepor-se aos sentimentos mais verdadeiros e belo, além do sacrifício da própria felicidade em nome da estrutura familiar e das convenções. O diretor continua abordando a temática gay, mas envolve outras discussões que vão da felicidade, amor, vida cotidiana, projeção pessoal ao nazismo, heroísmo e bravura, entre tantos outros, de forma muito poética e simbólica, marcas comuns de seus outros trabalhos.

Acredito ser um filme que todos devem assistir, porque é de uma sensibilidade fantástica, fotografia linda, cenas que são inesquecíveis e trilha sonora maravilhosa. A música Gocce di Memoria (Gotas de memória) de Giorgia tem lugar de destaque, principalmente no finzinho do filme. A letra dessa canção acaba com a gente, principalmente para quem vive ou viveu uma paixão tão desesperadora que ficará impressa em sua memória pra sempre. Garanto que ver Lorenzo abraçando desesperadamente Giovanna ao implorar que fique com ele ou ela correndo desesperada pelas escadas arrependida da idiotice que fez, são cenas das mais belas que a natureza humana proporciona aos enamorados e que essa obra consegue captar tão bem. Um homem louco de amor como interpreta Bouva faz com que acreditemos que há conexões inexplicáveis, ligando pessoas desconhecidas como se fossem essenciais à própria existência como o ar. Aquela mulher louca de paixão mas covarde, só se dá conta que um desconhecido é o grande amor de sua vida quando a chance de perdê-lo se configura. Enfim, creio ser essa obra uma oportunidade para redescobrir como é bom viver um grande amor mesmo que não seja um amor realizável. Parafraseando Tiê, em sua canção Piscar o Olho, há amores que vem com a tarjeta de identificação: Não era amor pra todo dia, temos medo, mas mesmo assim dizemos sim ao que todos apontam como loucura, inclusive nós mesmos! Às vezes a vida é assim, acabamos contrariando tudo que acreditamos porque a paixão consome a nossa paz. Então, nos sapecamos nas labaredas infernais do desejo e da ânsia, como se brincar com fogo não deixassem marcas.







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