Cinema
Crítica: Jards
As Cores de Jards
Por Fabricio Duque
Eryk Rocha poderia viver à sombra do pai-famoso Glauber Rocha, mas optou por imprimir um estilo autoral e experimental ao cinema que faz. Talvez pelo fato de ter nascido nas filmagens ?A Idade da Terra?, um dos clássicos do cinema novo (influenciado pela Novelle Vague e pelo pensamento ?uma câmera na mão e uma ideia na cabeça?). Desta forma, podemos definir os filmes (?Rocha que Voa?, de 2002; ?Intervalo Clandestino?, de 2006; ?Pachamama?, de 2008; e ?Transeunte?, de 2010) de Eryk por sua própria expressão ?artesanal?. Em seu quinto longa-metragem, ?Jards?, o diretor une o que sabe fazer melhor poesia existencialista documental com forma ficcional, e diz que o filme ?é um viagem líquida, de fluido não dialético. É uma quebra, mas não um fluxo. Na verdade é uma transfiguração permanente com a música, de raízes aéreas. É um intervalo do processo?.
A narrativa experimenta ângulos, sons, câmeras, luz, sombras, focos (principalmente a falta de) e detalha, personificando, os objetos que participam da existência de Jards Macalé (agora só o primeiro nome ? ?Eryk recuperou meu nome?, disse o músico a uma plateia lotada no Cine Joia de Copacabana, no Rio de Janeiro). O cineasta escolhe fugir da estrutura comum, buscando a forma não convencional. O filme pode ser visto como bastidores da gravação do novo álbum musical (com convidados ? Adriana Calcanhotto, Ava Rocha, Luiz Melodia, Roberto Frejat, entre outros) e ou como um retrato da ?alma de Jards? (este pelo viés intimista e pela câmera próxima ? o close). É um retrato da essência, de como a forma criativa se manifesta, incluindo seus silêncios, pensamentos, danças de balé, ópera e sessões de jazz, observados com tempo, sem pressa. Não podemos, em hipótese nenhuma, separar a fotografia, porque é um elemento que complementa o contexto. É um exercício fotográfico, usando a categoria de vídeo arte, intercalando-se com imagens saturadas, sobrepostas, estilizadas, em sépia digital, aquáticas e em super 8 (realizadas pelo próprio Jards e amigos ? período que estavam exilados ? nos anos 1970 e 1971 em Londres), estas últimas apresentadas de forma implícita ? sem fornecer nenhum dado explicativo de quem são e de qual lugar.
Jards é apresentado como ?cobaia? de análise, podendo o espectador traçar um perfil terapêutico, físico e metafórico do artista. Como por exemplo, os olhos molhados (sem o clichê da lágrima), mesclando humildade, entendimento perspicaz, ingenuidade e a certeza na crença de que o que fez, fez bem. Parafraseando a camisa do músico que se lê ?Sempre Viajando na Música?, permito algumas liberdades ao constatar a referência aos filmes ?Sympathy For The Devil?, de Jean-Luc Godard e ?Os Monstros?, da Alumbramento Filmes. Complementando a visão transpassada do filme, Jards apresenta voz embebedada, sôfrega, em um pós choro quase sussurrado. Enquanto canta, lógico. Porque em instantes, a piada se faz presente. ?Vendo o filme, me dei conta que precisava ir ao dentista?, diz o personagem em questão ainda no encontro do Cine Joia. Lá, também, soube que o filme é dedicado à mãe de Jards, falecida recentemente. ?O objetivo era alumbrar este processo de criação, o que poderia nascer desta experiência?, disse o diretor. Foram oitenta horas de material para o resultado final de noventa minutos, com uma equipe de cinco pessoas, durante três semanas no estúdio Biscoito Fino. ?O filme fala por ele mesmo, a potência é a música?, complementa Eryk. ?Quanto mais você fecha (o close), menos você enxerga. É uma história contada fora do quadro?, disse o diretor de fotografia Miguel Vassy. ?Minha alma está aí no filme?, finaliza Jards, ?não-mais-Macalé?. Concluindo, um documentário não convencional que retrata o músico ?operário? pela poesia cotidiana das pequenas ações do trabalho. ?O estúdio é a cozinha da música?, ouve-se da plateia do Cine Joia. Recomendo.
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