Crítica: Últimas Conversas
Cinema

Crítica: Últimas Conversas


Por Fabricio Duque

Uma das maestrias da arte do cinema é a possibilidade de expandir e revisitar nossos próprios argumentos opinativos, fornecendo vertentes a fim de ?libertar? definições intrínsecas e definitivas. Nada se apresenta totalitário, tampouco nossas ideias. É inquestionável o questionamento que um novo filme do documentarista mais rabugento do país, Eduardo Coutinho, falecido recentemente, gera em nossas percepções. ?Últimas Conversas? é o último filme do diretor em questão aqui, e foi montado por Jordana Berg e terminado por João Moreira Salles. O documentário é um ?produto? póstumo, homenageando Coutinho e tentando corroborar sua estrutura típica e particular, que é a de mesclar a ?curiosidade? do cineasta em questão com o tom documental, manipulando a ?fofoca? sentimental. Aqui, Coutinho ?entrou? em crise existencial-profissional e se questionou sobre o real objetivo do que fazia (?Perdi a ligação com o mundo que eu poderia ter tido?). ?O que é memória para os dezesseis anos??, perguntava. Quem trabalhava com ele precisava adquirir paciência e destreza para que pudesse com perspicácia conviver com suas extremadas idiossincrasias (principalmente seus cigarros ? acendidos incessantemente). Talvez, sem querer, o documentarista tenha despertado o comportamento antropológico do gênero documentário. Se analisarmos sua estrutura de realização, então perceberemos que não há verdade absoluta nas reações verborrágicas de seus depoentes, até porque quando uma câmera é ligada, a tendência, quase unânime, é o ?revestimento? da projeção do que se quer ser e não do que se realmente é. ?No cinema, a pessoa vem toda armada, o jovem vem castrado por uma hora?, diz. ?Com criança, não precisa fingir, ela produz?, complementa. Coutinho tinha a técnica única de ?quebrar (as pessoas) com as ferramentas? que usava. ?Últimas Conversas? usa o prólogo no preâmbulo de resumo da vida do homenageado ? é a Jordana confrontando o próprio Coutinho, que se transforma em um tímido entrevistado. Tudo na verdade é ?sobre pessoas?, e quase uma possibilidade terapêutica, quase de forma necropsia, de conseguir a verdade verdadeira de cada um. A técnica utilizada soa de uma arrogância hipócrita, tentando ?mangar? das pessoas pelo viés da ingenuidade, fazendo ?perguntas imbecis como se tivesse cinco anos de idade?. A obviedade surtia o efeito de igualar ?mentalmente? entrevistador e entrevistado (a ?vítima?). Com humor negro, rabugice e ?falso julgamento?, ?quebra-se? as defesas como um oportunista que quer esmiuçar banalidades e ou tragédias pessoais, intercalando câmeras estáticas, próximas e aproximadas, buscando intimidade, particularidades, cumplicidade. Coutinho ouve e traça um estudo sobre os jovens (?dramáticos, vivenciando o tédio e a poesia, o ?Bullying??, a crueldade do crescimento): o que estão lendo, as músicas que estão escutando, suas ideias, seus planos para o futuro, as desgraças, prepotências defensivas e ou fragilidades (?Jovem escolhe o assunto, despreza o que não gosta e não desenvolve a história até o final?). Há uma ?falsa simpatia?, até porque ele não se importava se o que era dito era verdade ou mentira. Era apenas história. Contada. Por alguém. Em estrutura de bastidores, radicalmente amadora, ele desejava extrair ?tipos de personalidade? e a própria ?degradação?. Um lobo em pele de cordeiro. Com um ?pseudo? amigável tratamento, faz rir dos outros, zombando sem limites da vida apresentada e ou exposta. Mas a pergunta que não quer calar: é verdade? Ficção? Novela roteirizada? Visto que todos se expressam com um português correto. Peço desculpas pelo tom preconceituoso devido ao cenário ser realizado em uma escola pública. ?O silêncio é tão estranho para um ser humano que pode causar insanidade?, diz-se. Coutinho chegava a irritar ao ?deixar? o outro mais interessante e inteligente e se comportando como um ?idiota?. Jordana ainda perpetua o pós projeto póstumo, indicando que talvez o próximo documentário fosse com crianças, desprovidas de defesas e pululadas de espontaneidades. No encontro com Jordana Berg, na Escola de Cinema Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro, a ?diretora por tabela? respondeu sobre o filme não se utilizar de legendas (lógico), sobre o abismo entre dezoito e oitenta anos de Coutinho, que ?exacerba a própria burrice?, sobre o ?auge da potência e da impotência quando se está fazendo um filme?, sobre o porquê de tantos cortes (sobre o ?feedback? silencioso dos jovens), sobre conservar a regra do jogo de apresentar o filme logo no início (e que ?investigava antes toda a vida da pessoa?, sobre a ?confiança recíproca? que ele ganhava, e que ?protegia o personagem para não o ridicularizar? (neste ponto, tenho minhas dúvidas, minhas réplicas e minhas tréplicas), e finaliza que ?a equipe do filme ? Lar Feliz ? foi trazida para primeiro plano? e que ?O remédio (do que ele conseguia extrair) era também para Eduardo Coutinho?. Concluindo, pode-se não concordar com a estrutura técnica e ?zombeteira? do documentarista, tampouco com a condução indicativa de seus filmes, porém, uma coisa não se pode negar: o estilo único é Coutinho e ponto final. 




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