Crítica: Urihi Haromatipë ? Curadores Da Terra-Floresta
Cinema

Crítica: Urihi Haromatipë ? Curadores Da Terra-Floresta


?Ser xamã é um sofrimento. O processo é árduo: sem água, sem comida, sem sair da tribo por um tempo. E quanto mais distante, mais difícil de entender a linguagem. (...) O registro vai contra a cultura deles, mas hoje com o celular dos jovens, estão passando por uma mudança?, disse o diretor Morzaniel ?ramari Yanomami.

Por Fabricio Duque

As comunidades indígenas estão em constantes modificações comportamentais. Seus jovens "modernizam" a estrutura e "ganham" permissões, como o registro filmado (com três câmeras), que muitas das vezes vai de encontro com as próprias tradições e regras doutrinárias, visto o ?processo de esquecer os mortos?. É o caso do documentário ?Urihi Haromatipë ? Curadores Da Terra-Floresta?, que registra um "encontro" anual xamã em Roraima para ?curar a Terra que está doente?. Seu diretor Morzaniel ?ramari também é um Yanomami, uma das tribos mais numerosas e conhecidas que habitam a Floresta Amazônica. O filme cria a descaracterização da própria antropologia por "atuar" como mero espectador. Aqui, o espectador conhece, em tom narrativo didático (metalinguístico por se deixar aparecer a equipe técnica, explicando até mesmo a ?receita? do ?alimento dos espíritos?), o passo a passo da cerimônia de "contato com os deuses", cuja negociação foi demoradamente explicada e que a consequência ?respeitaria os espíritos?. Percebemos também que a experiência intrínseca de ancestralidade deu lugar ao hibridismo homem cidade e "curadores da floresta". Os pajés (?quem nasceu junto com a floresta? e ?cuida da tribo?) são os únicos a poder usar o ?alimento dos espíritos?, o ?rapé yakoanaa?, droga ?potente? (retirada da árvore para ?ver os espíritos?). O ?produto? final (em pó) é ?cheirado? a fim de receber respostar para que se possa tratar ?a doença da floresta? (?diferente de vocês que curam as doenças da cidade?) e ?para que o mundo não fique triste e chorando?. Eles vestem-se, com bermudas de times de futebol como São Paulo e Flamengo, com vergonha, talvez, e ou com o respeito adaptado do politicamente correto metropolitano à câmera que representa os olhos da sociedade. A ?trama? é ?um convite ao transe?, com linguagem naturalista indígena. Logo no início, somos surpreendidos pela chegada em avião (taxi aéreo) de outros Yanomami(s) distantes, recepcionados com uma comida especial (?mingau? típico ? ?macaxeira?) e inseridos no ritual. Eles dançam, gritam, e entram em um transe hiperativo, potencializando quase uma ?loucura? expositiva. Realmente, quem não é xamã não entende. O ?napa? (homem branco) assiste epifanias extremadas do efeito desta ?droga?, que chegam a amedrontar pela ?possessão? explícita. Inicialmente realizado para uma ?vídeo instalação?, o documentário ganha os cinemas na VI Semana dos Realizadores. Brincamos que é a cota indígena da Mostra. O diretor explica que durante a ?apresentação? tribal, não pode ter mulheres tampouco crianças. E critica a Igreja que vai contra esta prática de cunho cultural. ?Essa é a nossa cultura?, diz. Concluindo, um filme livre e de antropologia reversa, mas que soa encenado demais, quase incrédulo. É difícil captar naturalidades com a visão impositiva de uma câmera de filmagem. Questionamos se esta transcendência ?verdadeira? não é um mero ?roteiro? de efeito ?psicotrópico natural?. 



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