Cinema
Crítica de Filme: Na Estrada (On the Road)
A adaptação cinematográfica da aclamada obra literária, On the Road, do escritor norte-americano Jack Kerouac, talvez, era uma das mais esperadas dos últimos anos. Antes de qualquer digressão sobre o filme, é importante deixar claro que o redator desse texto não tem o conhecimento prévio do conteúdo literário (não leu o livro), mas tem algum conhecimento sobre a época que ele retrata: o movimento beat. No final dos anos 50 e começo dos 60, alguns artistas americanos, em sua maioria escritores e poetas, viveram como nômades, rodando pelo país, às vezes fincando raízes por algum tempo, mas em sua maioria, o maior prazer era ficar a deriva dentro de um carro. Claro que o consumo desenfreado de álcool, maconha e de uma substancia retirada de inaladores era natural e constante no meio, assim como o sexo liberal, muitas vezes rendendo verdadeiras orgias. Essa geração/movimento é considerada tão marcante e criativa, que muitos estudiosos a vêem como precursora da contracultura. Dizem que o próprio John Lennon teria retirado o nome Beatles em função do termo beatnik, que era sugerido como a identificação dos representantes.
A pequena e rasteira introdução é minimamente suficiente para se ter alguma noção da importância (tanto literária, quanto histórica) sobre On the Road. Por isso, foi criada certa aura sobre a produção cinematográfica, homônima, intitulada Na Estrada no Brasil. Principalmente por ser co-produzida por Francis Ford Coppola e dirigida pelo brasileiro Walter Salles. Reza a lenda que o próprio Coppola (detentor dos direitos do filme) teria escolhido Salles a dedo, após ter ficado maravilhado com Diários de Motocicleta. Assim, temos uma renomada lenda do cinema, com um diretor consideravelmente talentoso (principalmente por Central do Brasil e Abril Despedaçado) e o roteirista Porto Riquenho, Jose Rivera (o mesmo de Diários). Sinônimo de orçamento folgado, que proporciona o luxo de um elenco invejável, citando apenas os coadjuvantes, nos deparamos com: Viggo Mortensen, Amy Adams, Kirsten Dunst, Steve Buscemi, Alice Braga, Terrence Howard, entre outros. A trinca de protagonistas é encabeçada por Sam Riley, como o escritor Sal Paradise; Garrett Hedlund, defendendo o poeta Dean Moriarty e Kristen Stewart, que faz a espevitada Marylou. A trama do filme se apóia na forte amizade entre Sal e Dean, e o romance com viés de triangulo amoroso entre Marylou e os rapazes.
Agora, vamos ao que interessa. Se por um lado, Na Estrada é um filme esteticamente perfeito, com uma vistosa fotografia e uma não menos deliciosa trilha sonora, com canções características da época que retrata e ainda a boa sensação de um road-movie. Por outro lado, pode-se dizer que a evolução da trama/história é decepcionante. Claro que existe um excesso de personagens e coisas que devem fazer todo o sentido no livro, provavelmente não tem a importância necessária na película. Certamente, falta digressão suficiente, principalmente, quando surgem em cena alguma figuras marcantes, como o poeta junker Oll Bull Lee, interpretado com qualidade por Mortensen e a sua esposa não menos viciada Jane (Amy Adams em pequena atuação, mas imersiva). No entanto, essa falta de tempo para coadjuvantes de peso, talvez, nem seja o maior problema. Em um filme, em que a maioria das seqüências são passadas em locais fechados ou dentro de carros, com pessoas usando drogas e fazendo sexo, o que falta mesmo, é seus protagonistas comprando seus personagens da maneira correta. Sinceramente, o filme soa muito asséptico, limpinho demais, o sofrimento e reflexão dos personagens não são suficientemente críveis e não é estranha a sensação de uma superficialidade constante.
Parece que estamos diante de personagens, ainda que drogados e promíscuos, expostos em uma bela vitrine e emanando poesia. Em nenhum momento, o Sal de Riley e o Dean de Hedlund convencem como representantes do movimento beat ou mesmo como pensadores marginais. Por incrível que possa parecer, a criticada Kristen Stewart cativa muito mais com a sua Marylou desbocada e ainda assim doce. Na verdade, o próprio movimento beat, do qual o livro é citado como a melhor representação, aparece diluído na trama ou mesmo deixado de lado. Acredito como sendo escolhas do diretor e do roteirista, que invés de serem didáticos, optam por trazer uma visão menos estudada ou mundana. Vejo até algumas qualidades nas suas escolhas, mas a falta de sinergia em algumas cenas é frustrante. Aliás, a própria montagem do filme se perde em repetições de momentos, criando um embuste e fazendo de uma obra que começa de maneira agradável, ir aos poucos se tornado bem perto de tediosa. Em certo momento, o espectador levanta a questão se Na Estrada não tem um excesso de fornicação e sessões psicotrópicas. Longe de posar de puritano, porque quem costuma ler minhas resenhas, sabe que em questão de cinema, tenho apreço por filmes com características marginais, vagabundas e anti-autoritárias. Não precisam vir embaladas em um pacote charmoso, mas precisam ter no mínimo a consciência da suas pretensões, e no final, é o que Na Estrada parece: um filme ultra-pretensioso.
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