Chegou o Natal, época de ficar no conforto diante da lareira a escrever uns posts e a pensar no que é realmente importante: quando acabarem os TCN, o que se seguirá?
No final dos anos noventa, os sites começaram a receber concorrência de uma nova força. Tal como viria a acontecer por muitas outras vezes na era da internet, alguns indivíduos sem quaisquer conhecimentos técnicos estavam a fazer-se ouvir acima dos média tradicionais. Eram os bloggers e se no início eram vistos como uma curiosidade, depressa começaram a ser vistos como uma ameaça. Pessoas informadas e com opiniões credíveis faziam a informação escapar aos crivos da censura e chegar a todo o lado. Então quando em 2003 a Google comprou o Blogger e tornou essa ferramenta completamente gratuita e amplamente conhecida, o movimento ficou imparável. Toda a gente que não conseguia fazer um site, optou por fazer um blog.
Apenas por isso, e antes de movimentos como a Primavera Árabe e pessoas como Julian Assange e Edward Snowden se tornarem notícia, a Time decidiu que a Pessoa do Ano eramos nós, todos aqueles que escrevem e lêem fora dos meios tradicionais, dando uma voz plural e verdadeiramente democrata ao mundo.
O nascimento
Portugal não ficou para trás e não só em 1999 tinha alguns blogues, como em 2003 teve um boom próprio, motivado pela plataforma Sapo. Nesse período surgiram os primeiros grandes blogs portugueses, principalmente na área política, mas também com vertentes lúdicas e culturais. Os blogs de cinema eram poucos, mas bons, e em 2004 foi fundada uma Academia. A juventude da plataforma e dos seus intervenientes ditou um fim precoce para uma iniciativa que podia ter moldado o meio que hoje conhecemos, mas o que podiam fazer uns miúdos deslumbrados que se faziam ouvir pela primeira vez? Como podiam definir um rumo se eles próprios estavam perdidos?
A fase Take
Os anos passaram, esses jovens tornaram-se adultos e entretanto foram chegando outros jovens. Por volta de 2007 e 2008 houve uma segunda onda. O que resta da dúzia original hoje em dia não se distingue entre as centenas de pessoas que se dedicam de corpo e alma ao meio, cada vez com mais informação, com mais meios e em mais plataformas. A qualidade não se manteve e muita gente sem qualquer jeito para a escrita e sem conhecimentos de cinema/televisão também achou que tinha o direito de se pronunciar. E têem. Quando nós, os dinossauros, começamos também não éramos detentores do conhecimento absoluto e até hoje me envergonho de algumas coisas que escrevi. Compete ao leitor seleccionar o que quer ler e decidir se acredita no que está escrito em bytes por algum desconhecido de uma outra parte do país ou mundo.
Os melhores entre os bloggers cinéfilos nacionais foram convidados para um projecto pioneiro, a revista Take (2008), onde as suas palavras era difundidas a nível nacional, como um produto coeso. Formou-se uma linha que separava o blogger comum, do de elite.
As distribuidoras perceberam que tinham de apostar nessa plataforma e mesmo não o fazendo da forma expectável (uma identidade fictícia a dizer maravilhas dos próprios títulos) deram muito apoio a vários blogs.
Blogs vs. Revistas
Em 2010 começou a terceira fase da blogosfera, a da web 3.0 onde as ferramentas complementares começavam a ofuscar o blog. Quem entra neste meio já se assume conhecedor de todas as ferramentas e potencialidades, e raramente o faz por prazer. Já deseja a notoriedade e mede os seguidores em gráficos que lhe são entregues em tempo real. Já não faz uma festa quando recebe o primeiro comentário num post, contudo preocupa-se quando fica minutos sem reacções do público.
Esta fase teve muito significado pois começaram outras iniciativas de interacção entre bloggers. Talvez motivado pelo ressurgimento das revistas de cinema que, de forma passageira, tentaram rentabilizar no que parecia interesse súbito em torno do cinema. O Encontro de Blogs de Cinema que o Antestreia fez no Porto terá sido o primeiro marco onde os principais bloggers ganharam uma cara. Logo depois os Globos de Prata do Cinema Notebook transformaram-se nos Prémios TCN e uma cerimónia presencial reuniu blogs de todo o país. Estava dado o pontapé de saída para uma nova era onde as iniciativas conjuntas aconteciam todos os dias e os blogs tinham visibilidade e causavam ruído:
2010 Encontro de Blogs de Cinema (Nuno Reis)
2010 Criação do grupo facebook dos Bloggers Cinéfilos (Samuel Andrade)
2010 Prémios TCN (Carlos Reis)
2011 Petição para José e Pilar ser o nosso filme nos Óscares (Tiago Ramos)
2012 Criação do Círculo de Críticos Online Portugueses (Tiago Ramos)
2012 Levantamento da blogosfera contra a imprensa escrita (Luís Mendonça, Samuel Andrade)
2013 Cinema Bloggers Awards (André Marques)
O Futuro
Nos últimos anos não tem acontecido nada de novo e nota-se algum cansaço, com várias desistências e pausas de destaque. Muitos profetizavam o fim da blogosfera e a verdade é que ela não é a mesma, mas as notícias da sua morte foram exageradas. É cada vez maior e mais profissional em todas as variantes (e inevitavelmente começam a surgir demasiados intermediários a tentar obter rentabilidade do trabalho dos bloggers). Tenho frequentado alguns encontros de blogs generalistas e além de se notar uma dinâmica completamente diferente, não sabem que este nosso grande nicho existe. Com a cerimónia deste ano aberta a todos os blogs, algo deve mudar. Se nos acham uns geeks estranhos que passam o dia colados a ecrãs, é lá com eles, mas será interessante mostrar que já estávamos por aqui muito antes deles saberem o que era a internet, que temos um espírito de grupo que nenhuma outra especialidade da blogosfera consegue imitar, e que estamos aqui para durar e acompanhar estes tempos modernos, em 2016 como em 2003. Dos cinco mais antigos, três continuam em actividade, e ainda que o Antestreia seja menos atualizado do que antes pelos motivos que conhecem, ninguém pode dizer que o CineBlog ou o CinemaXunga tenham perdido a sua identidade, pertinência ou irreverência.
O Carlos não abandonou os TCN sem aviso. Alertou a comunidade com tempo para que surja uma alternativa. Não desistiu da blogosfera nem desistiu do Notebook, só preferiu focar-se em algo diferente. E pelos resultados que o Nalgas do Mandarim tem conseguido, quem o pode censurar?
Vem aí uma fase quatro. Enquanto as outras transições foram graduais, esta será um corte abrupto com data marcada. A 9 de Janeiro termina uma era e dia 10 começará outra. Resta-me/nos agradecer ao Carlos por ter conseguido o impossível e ter distinguido os melhores entre os melhores, sempre em busca de uma forma mais justa. Apesar de todos os atritos e zangas que pudesse haver entre indivíduos, se houve algo que sempre nos uniu foi a cerimónia dos TCN onde, pelo menos uma vez por ano, conhecemos leitores de sempre e reencontramos amigos de longa data.
A qualidade reinou na blogosfera ao longo destes seis anos. O que se seguirá será um mundo pós-apocalíptico sem lei nem rei, onde a lei do mais popular voltará a reinar. E quando a poeira pousar, uma nova era tecnológica terá começado e não saberemos o que estará a tentar ocupar o lugar dos blogs, mas cá estaremos, mais ou menos unidos, para adoptarmos, enfrentarmos ou nos moldarmos a essa novidade, consoante os gostos de cada um.
Nota: Muitos dos dados, das datas e dos eventos são fruto da minha opinião e memória. Se querem uma história da nossa blogosfera como deve ser, leiam no Cinema's Challenge o único estudo existente.
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