Falidos e poliglotas
O ministro Vítor Gaspar tem razão. Os portugueses são um povo fantástico. Acima de tudo têm essa capacidade de serem poliglotas o que lhes dá uma vantagem competitiva fundamental quando se trata de emigrar. Confirmando que o governo estava preparado desde o início para esta nobre missão de espalhar a pieguice pelos quatro cantos do mundo, chega-nos a informação da Cinemateca de que os seus filmes vão passar a ser exibidos em versão original, sem legendas em português.Lamentamos informar que a Cinemateca se vê obrigada a interromper algumas aquisições de serviços normalmente associadas às nossas actividades, por decorrência de recentes medidas de controlo orçamental (Despacho do Senhor Ministro das Finanças de 12 de Setembro).Fonte: Cinemateca
Assim, informamos que nas sessões abaixo indicadas, contrariamente ao que tinha sido anunciado no programa mensal, não haverá legendagem electrónica das cópias exibidas, a não ser que a autorização para a contratação desse serviço nos seja concedida e comunicada, em tempo útil, pelo Ministério das Finanças.
(Os filmes são exibidos em versão original sem legendas, com eventuais legendas em outras línguas – ver caso a caso):
8 out.
19.00 – THE HUNGER, Tony Scott
21.30 – LA LIBERTAD, Lisandro Alonso
22.00 – HHH – PORTRAIT DE HOU HSIAO-HSEN, Olivier Assayas
9 out.
19.00 – LOS MUERTOS, Lisandro Alonso
22.00 – LA LIBERTAD, Lisandro Alonso
10 out.
19.00 – LIVERPOOL, Lisandro Alonso
22.00 – LOS MUERTOS, Lisandro Alonso
11 out.
18.00 – SALTO NEL VUOTO, Marco Bellocchio
22.00 – LIVERPOOL, Lisandro Alonso
16 Out.
21.30 – WANDA, Barbara Loden
20 out.
15.30 – LE LEGIONI DI CLEOPATRA, Vittorio Cottafavi
19.00 – UCCELLACI E UCCELLINI, Pier Paolo Pasolini
19.30 – NOSFERATU, FW Murnau
22.00 – THE EDGE, Robert Kramer
27 out.
21.30 – UN CHIEN ANDALOU / SIMON DEL DESIERTO, Luís Bunuel
30 out.
19.00 – ALL THE MARBLES, Robert Aldrich
O motivo invocado de corte de despesa é que me parece pouco fundamentado. Não é para poupar dinheiro, mas para dotar os cinéfilos de uma vasta cultura linguística, capaz de os fazer embrenhar nos futuros países de acolhimento de acordo com as suas preferências cinematográficas. Sem legendagem em português, o espectador estará mais atento aos sotaques regionais dos diferentes países e provará, se isso fosse necessário, que somos um povo sui generis na nossa capacidade de aprender.
Esta medida em vez de ser criticada, deveria merecer um Nobel especial para o multi-culturalismo, para a linguística, ou da paz pelo seu esforço na integração dos portugueses. Falidos, mas fadados para as línguas, o nosso futuro está garantido. Parabéns ao Ministro das Finanças, que já agora poderia aconselhar o seu Secretário de Estado da Cultura a aplicar o mesmo critério para o seu Plano Nacional de Cinema.
Ficaremos atentos se as próximas sessões da Cinemateca estenderão esta visão cosmopolita dos portugueses para línguas com grande futuro como mandarim, coreano, tailandês, árabe ou japonês.
A ver vamos se, com tanto jeito para as línguas, não começamos a melhorar também o nosso jeito para a má língua.
António Reis