São Paulo, em algum momento das férias de verão de 1962. Como sempre acontecia, lá estávamos, meu irmão, minha mãe e eu, aproveitando as férias do início do ano entre o sítio dos meus avós nas cercanias de Vila Galvão, então área rural dos arredores da capital e o centro da cidade, onde moravam um tio e primos. A ida aos cinemas do centro era, como sempre, o programa obrigatório quando, a pé, e numa área relativamente pequena, cobria-se um trecho onde se encontravam verdadeiros palácios de cinema, maiores e mais luxuosos do que os que conhecíamos no Rio de Janeiro.
Depois dessas primeiras imagens no Cairo, um vôo rasante sob as pontes do East River, passando pela Estátua da Liberdade, nos levava direto de Nova York para a América do Sul e... as Cataratas do Iguaçu, vistas lá de cima, enchiam a tela e o nosso peito de orgulho pelo passeio aéreo em terras brasileiras. Mas, em seguida, com a respiração em suspenso e ainda não refeito da emoção anterior, num simples corte, o avião do Cinerama estava... no Rio de Janeiro, sobrevoando a Baía de Guanabara, num plano que, lembro bem, começava exatamente por trás do Corcovado, circundava o Cristo Redentor e avançava sobre Botafogo e o Pão de Açúcar. Não lembro mais o que a voz do narrador descrevia, mas, com certeza deveria ser algo sobre o carnaval e a beleza da cidade, maravilha da natureza... O orgulho brasileiro agora ganhava contornos especiais, matizados pelas imagens do Rio exibidas pelo Cinerama, em São Paulo. Como havia sempre uma disputa bairrista entre os primos, em geral alimentada por discussões entre os adultos sobre lugares-comuns na rivalidade Rio-São Paulo, meu irmão, paulista, e os demais primos, tiveram que engolir o fato de que, sim, você só poderia ver o Cinerama em São Paulo, no Comodoro ? mas, em compensação, na tela gigantesca, as imagens eram apenas do Rio...
O cinema, antecipando em mais de cinco décadas esta recente eleição tão noticiada, e através dessa tecnologia pioneira desenhada no início da década de 50 para enfrentar a concorrência da televisão, já havia selecionado o Corcovado como local digno de figurar numa lista de maravilhas do mundo moderno.
Texto publicado na revista eletrônica Cinética, de crítica de cinema, editada por críticos independentes.