Existem filme que nunca envelhecem e sempre trazem novas reflexões quando reassistidos. Assim é Memórias do Subdesenvolvimento, de Tomás Gutiérrez Alea. Erroneamente considerado documentário por mesclar em si imagens e fatos reais com ficção, o filme foi eleito recentemente como o principal filme íbero-americano da história do cinema.
Inovador em sua linguagem, o longa usa a história do burguês Sergio para falar da Cuba pós-revolução de Fidel e consegue mesclar sentimentos de ansiedade e críticas ao novo regime. Todo o texto, baseado em um livro homônimo de Edmundo Desnoes, que também assinou o roteiro, é primoroso e impressionantemente atual.
Em preto e branco conhecemos a Cuba daquela época, que tem problemas iguais ao países vizinhos próximos e distantes. E começamos por uma festa com música, dança e risos por todo lado. Depois de tiros, um corpo estendido no chão e uma limpeza às pressas, tudo começa novamente, como se jamais tivesse parado.
Se naquele local todos eram negros, o aeroporto lotado de brancos é nossa segunda parada. De lá as pessoas fogem do novo regime, partem para a América dos sonhos. Entre eles, todos engomadinhos, estão todos os que amaram e encheram a paciência de Sérgio, nosso protagonista.
Ele fica sozinho, resolve não partir. Não por acreditar no que acabara de acontecer, mas por estar curioso, por querer ver tudo para provar a nova realidade. Pela janela vê as mudanças de sua Havana e sente falta da pomba que Picasso prometeu mandar para o monumento ao povo livre. "É fácil ser comunista sendo milionário e morando em Paris".
E são tantas passagens interessantes, uma após a outra, que o filme vai se construindo único. Os acontecimentos na vida de Sérgio vão justificando a sua reflexão. E, quando não justificam, comentam as imagens reais e discursos.
Os problemas são velhos conhecidos: mortalidade infantil, ignorância, preconceito, tortura, injustiça, ausência de auto-estima e mais alguns. E o texto é tão perspicaz que as passagens parecem escritas para momentos atuais. Assim, claro, é no roteiro que está a maior força de Memórias do Subdesenvolvimento.
Mas ainda tem boas imagens e uma fotografia ousada assinada por Ramón F. Suárez; boas atuações, com destaque para Sergio Corrieri; a interessante trilha sonora de Leo Brouwer e a excelente montagem de Nelson Rodríguez.
O único problema é que talvez seja um pouco lento para a velocidade com que vemos o mundo hoje em dia e canse um pouco à platéia menos avisada. Pelo menos foi a impressão que ficou com a reação do público que, inquieto demais, não conseguiu ficar na sala até o final da projeção.
Mas é um documento obrigatório para todos que querem conhecer a história latino-americana e merece ser visto.
Um Grande Momento
A reflexão na casa de Hemingway, enquanto Elena posa para fotos.
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