Cinema
Nymphomaniac - Part 1 - O Melhor e o Pior
Estreou no passado dia 16 de Janeiro em Portugal (Lisboa, Porto e Coimbra) a primeira parte do novo projeto de Lars Von Trier: "Ninfomaníaca"/ "Nymphomaniac". Tal como se esperava, "Ninfomaníaca" não ficou indiferente a ninguém que o viu e, apesar de Portugal só acolher a versão censurada deste projeto, já se pode ver que, realmente, Von Trier não caprichou tanto na polémica e na pornografia como se esperava, porque apesar de tudo, esta é uma produção com uma boa substância que desperta, facilmente, a curiosidade intelectual de qualquer um. É claro que há alguns pontos melhores e outros piores, que agora tratarei de explorar com um pouco mais de pormenor.
O Melhor
A Beleza e Profundidade Intelectual da História
Se pensa que "Ninfomaníaca" é um filme pornográfico, então está completamente enganado. É verdade que o sexo faz parte do filme, mas a grande força de "Ninfomaníaca" são as considerações intelectuais e filosóficas, as belas metáforas existências e os dilemas morais e humanos que vão aparecendo à medida que Joe (Charlotte Gainsbourg) conta a sua jornada de vida ao simpático Seligman (Stellan Skarsgård). Há exemplos incríveis de grande criatividade e beleza no guião desta primeira parte, que vão desde as metáforas que Joe faz da sua aguerrida vida sexual com temas mundanos como a pesca, a música ou a biologia, passando até por breves monólogos e insinuações pessoais que transmitem em pleno a emoção, o zelo e criatividade desta longa-metragem, que chega mesmo a ter algumas frases muito marcantes que poderiam pertencer a qualquer poster motivacional ou imagem emotiva.
A Fotografia de Manuel Claro e a Direção de Von Trier
Um dos grandes atrativos de "Melancholia", o projeto anterior de Lars von Trier, era a sua belíssima fotografia, que foi criada e moldada pelo chileno Manuel Alberto Claro, que em "Ninfomaníaca" voltou a repetir a colaboração com Von Trier e a assumir o cargo de diretor de fotografia. Tal como "Melancholia", "Ninfomaníaca" é dotado de um impressionante requinte técnico promovido por Claro, mas também pelo próprio Von Trier, já que estes dois génios da técnica cinematográfica incutiram, a grande parte das sequências e planos de "Ninfomaníaca", uma beleza viciante e deliciosa, seja em momentos menos impulsivos onde a simplicidade reina, ou em cenas mais exuberantes que são reforçadas por ainda mais show-off técnico. Um grande exemplo disto é todo o Capítulo 4, que Von Trier nos decidiu apresentar a preto e branco para assim aproveitar e aprofundar a força sombria da história aí retratada, que mexe bastante com a parte mais íntima da protagonista.
Stacy Martin
A segunda parte de "Ninfomaníaca" será protagonizada, em grande parte, pela versão adulta de Joe, que é interpretada por Charlotte Gainsbourg, mas esta primeira parte foca-se, principalmente, no percurso de uma jovem Joe que é interpretada maravilhosamente por Stacy Martin, que domina e lida muito bem com todos os desafios que Von Trier lhe atirou para cima. A sua performance é o grande destaque desta primeira parte dentro das representações, e prova que esta jovem Stacy Martin pode vir a fazer algumas coisas interessantes no futuro
Joe e Mrs. H
A grande estrela deste projeto é Joe, uma personagem fantástica que, independentemente da atriz que a interpreta, consegue sempre fascinar-nos e chocar-nos com as suas ações ou observações. No fundo, Joe é uma das personagens mais complexas que tive o prazer de acompanhar, nos últimos anos, numa produção cinematográfica. A sua personalidade é um puzzle gigante que nos deixa perplexos com a tamanha profundidade dos seus pensamentos e dos seus objetivos que, muitas vezes, não parecem claros e nos deixam por isso à beira de um colapso cerebral, porque não conseguimos compreender muitas das suas ações sociopatas e egoístas que, no fundo, revalidam a sua impessoalidade, que nem sempre é assim tão presente quanto isso. É por ser um enigma emocional e intelectual que Joe é tão empolgante, porque é mesmo daquelas personagens que só um génio como Von Trier poderia ter criado. Para além de Joe, a Mrs. H (Umma Thurman) também é uma das personagens mais fascinantes de "Ninfomaníaca". A sua participação é bastante curta, mas é mais que suficiente para destacar esta personagem, que em pouco mais de oito minutos protagoniza uma das sequências mais engraçadas, constrangedoras e extravagantes de todo o filme, algo que diz muito da força desta cena, já que todo o filme é exuberante.
O Sexo
Quem disse que Von Trier ia ser um pervertido? É verdade que só vi a versão censurada, mas todas as cenas de sexo de "Ninfomaníaca" são apresentadas com gosto e qualidade, ou seja, não há nada de muito gráfico, apesar de aparecerem muitos nus e até atos bem explícitos. É tudo filmado com grande simplicidade e sem polémica. É verdade que o sexo é parte integrante e importante do filme, mas a parte mais intima do filme funciona mais à base do erotismo do que propriamente à base da pornografia. Não, "Ninfomaníaca" não é um "A Serbian Film".
O Pior
A Perda da Virgindade
Num filme sobre a jornada de uma ninfomaníaca, há sempre aquele interesse para saber como é que a viciada em sexo perdeu a sua virgindade. Esta resposta é nos logo dada no início, mas acho que todos nós ficamos com um sabor um pouco agridoce após ver a cena que representa esse momento. Estava à espera de algo mais profundo, que não demorasse apenas quatro minutos a ser retratado. Eu percebi a intenção de Von Trier, que quis desvalorizar este momento importante que, no conjunto da vida de Joe, acaba por ser um dos mais inocentes, mas foi com a perda da virgindade que Joe começou a sua atividade sexual, por isso acho que um pouco mais de atenção deveria ter sido dado a este momento.
Shia LaBeouf
O rapaz até pode ser esforçado, mas pessoalmente não gostei da performance de LaBeouf em "Ninfomaníaca". Eu percebo que este jovem ator anda à procura de papéis mais artísticos, mas acho que deita muito abaixo a sua personagem (Jerôme), que parece ter uma grande preponderância na vida de Joe. A ver vamos se o mais experiente Michael Pas dá uma melhor saída à versão mais velha de Jerôme na segunda parte.
Os Pequenos Erros
Há alguns erros técnicos crassos em "Ninfomaniaca", que no fundo se tornam compreensíveis, já que estamos perante um filme que, na sua versão não-cortada, tem aproximadamente cinco horas de duração. É claro que seria impossível criar um filme imaculado sem erros, mas há alguns que eram perfeitamente evitáveis, sendo que há um erro particular que me irritou profundamente. Os olhos de Charlotte Gainsbourg sempre foram de cor castanha, e no próprio filme esta cor mantém-se, por isso, como ela foi a primeira atriz a ser contratada, seria lógico pensar que todas as atrizes que Von Trier contrataria para interpretarem as versões jovens de Joe também teriam que ter os olhos castanhos, mas não é isto que acontece. os olhos de Stacy Martin são de uma cor clara, mas por vezes até passam por castanhos e, atendendo à performance desta atriz, até compreendo que Von Trier tenha preferido ignorar este pormenor para a contratar, agora a jovem atriz (Maja Arsovic) que interpreta a Joe em criança tem os olhos mais claros e azuis do mundo que nunca na vida passam por castanhos. Tendo em conta que a jovem Maja poderia ser facilmente substituída, não teria sido mais fácil contratar outra criança para o papel, em vez de ignorar o facto que os olhos da Joe escurecerem drasticamente com a idade? E outra coisa, não acham que o pai da Joe (Christian Slater) está demasiado bom aspeto para uma pessoa que está em fase terminal?
A Versão Censurada
Eu compreendo a lógica, mas gostaria de ter visto mais coragem para exibir a versão não censurada deste projeto. Não crítico a divisão em duas partes, porque até concordo com ela, agora queria ver o filme que Von Trier idealizou em pleno na cabeça dele, não a versão censurada. Lá terei que esperar pelo DVD.
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