Nestas últimas semanas, tenho vindo a sentir finalmente falta da sala escura do cinema. O que me preocupa bastante, dado que sempre fui um ávido consumidor de cinema. Esquecendo momentaneamente a nota biográfica sem relevância, e o facto do ?cinema? ser muito mais do que o multiplex do centro comercial onde geralmente vou, acredito no entanto que este sentimento será comum a tantos outros cinéfilos, pelas razões mais variadas. A verdade é que o cinema de massas que chega às salas de Portugal progressivamente começa a não marcar o cinéfilo, a não procurar o choque, o contacto com a vida quotidiana. Provavelmente, dirão, a ténue nota biográfica que iniciou esta crónica domina-a por completo, dada a natureza da minha opinião. Ainda mais, julgando pelo título que a motiva, que serve de mote também à notícia avançada pelo Diário Económico de 27/07/2009 (aqui). Contra as minhas expectativas, os números parecem não mentir: de acordo com o Instituto do Cinema e do Audiovisual, só nos primeiros seis meses de 2009 as receitas da sétima arte em Portugal aumentaram 7,2%, representando um crescimento de 33 milhões de euros, em comparação com igual período de 2008. O número de espectadores segue naturalmente essa tendência, com um aumento de 7,2%, para 7,24 milhões de espectadores. Agora, serão estes valores necessariamente bons? A julgar pelos números e pela lista de filmes mais rentáveis no nosso país, acredito poder dizer que não, sem que isso seja no entanto uma surpresa, já que tendencialmente a produção norte-americana predominas nas nossas salas.
Anjos&Demónios, de Dan Brown é o campeão de bilheteiras, com 485 mil espectadores e receitas de 2,25 milhões de euros (até Julho de 2009). Seguem-se os galardoados
O Estranho Caso de Benjamim Button e Quem Quer Ser Bilionário. O que me preocupa, no entanto, é a esterilidade de ideias a partir do momento em que terminou o período dos Óscares. Se não, repare-se na lista de estreias das nossas salas desde Março/Abril (consultar aqui). Este não é certamente um fenómeno novo, já que todos os anos vemos repetida a tendência para que as salas sejam inundadas por produtos enlatados que tentam cativar as audiências mais jovens. O que é de salientar, no entanto, é a progressiva alteração do conceito de filme de massas. O que vamos tendo são produtos de massas, com toques de intimismo ? criando aquela ilusão de que a qualidade aumenta, tentando atrair às salas de cinema faixas etárias mais altas. Que filmes como os que protagonizaram os Óscares sejam sucessos de bilheteira é algo que me agrada especialmente, mas, ainda assim, registo negativamente o marasmo do resto do ano. Os chamados blockbusters parecem estar a conhecer uma ligeira mudança de paradigma, corporizada pela aposta, com sucesso, em filmes tão diversos como Exterminador Implacável: A Salvação, ou The Spirit. Filmes mais escuros, menos espectaculares. Essa mudança é em tudo ilusória.
Vem aí o Verão e a sua
silly-season. A lista de estreias previstas não promete grandes alterações, o que deixa antever um decréscimo de qualidade e motivação para ir ao cinema. Por vezes, surgem dois ou três filmes-espectáculo que, não tendo uma narrativa mais cuidada, acabam no entanto por atrair um público mais exigente devido à promessa de entretenimento que deixam antever. Este ano, tal não se verifica. A notícia de que há um aumento registado de espectadores deixa-me assim reticente, já que, na minha perspectiva, acaba por criar um paradoxo difícil de erradicar da indústria. Por um lado, temos o ponto positivo que representa o aumento das audiências, mas, pelo outro, surge a aposta num outro tipo de produtos, mais perigoso porque menos conhecido, com uma aposta em conceitos de blockbuster que procuram mascarar-se de objectos de culto. Repare-se no exemplo
Exterminador Implacável: Salvação (podem consultar a
minha crítica, bem como a do
Rui Madureira no
PORTAL CINEMA aqui), que, quanto a mim, simboliza perfeitamente essa tentativa de Hollywood recuperar para as salas um público mais velho, sem no entanto afastar as audiências mais adolescentes. Dessa combinação, temos produtos híbridos que acabam por marcar a tendência e que, perigosamente, podem levar a indústria para a aposta cada vez maior em exemplares semelhantes, atestada e validada pelos aumentos exponenciais de audiência. Com o sucesso de formatos semelhantes, em tempos de crise, os estúdios podem ter aqui um argumento válido para darem menos espaço a experimentalismos com os seus meios.
A minha esperança pessoal, é que o cinema independente ganhe algum espaço. Os Óscares do ano passado foram uma boa surpresa. O contexto económico actual, infelizmente, não parece deixar antever isso. Boletim Semestral do Instituto do Cinema e Audiovisual Disponivel Aqui
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