Cinema
Resenha de Filme: Compliance
Em português a palavra inglesa ?compliance? recebe algumas traduções, mas das opções sugeridas na maioria dos dicionários, acredito que ?condescendência? seja a mais indicada para traduzir o título do filme independente norte-americano Compliance, ainda sem alcunha ou previsão para pintar no mercado nacional. No português, a palavra condescendência pode significar: disposição que faz ceder aos sentimentos de alguém ou comportamento de quem acompanha os preceitos do dever. Em um julgamento pessoal, vejo como um tipo de conduta onde uma pessoa se deixa levar por outra sem avaliar com eficiência que proporções aquilo pode tomar. Tanto uma quanto a outra definição técnica, e até a minha consideração particular, se enquadra perfeitamente na situação limite administrada por Sandra (Ann Dowd), gerente de um restaurante fast-food de uma típica cidadezinha americana.
Em um dia comum de trabalho em que o restaurante atende vários clientes, Sandra recebe uma ligação onde o interlocutor afirma ser um policial local. Utilizando de sua boa retórica, o oficial afirma ter recebido uma queixa de um cliente do restaurante sobre uma das funcionárias ter roubado dinheiro de sua bolsa. A descrição do policial bate com a de Becky (Dreama Walker), uma jovem meio displicente, longe de ser a melhor atendente do local. Conduzindo Sandra de forma incisiva e sagaz, o policial ordena que a gerente faça uma revista na moça, primeiramente olhando os pertences de Becky. Esse prólogo de Compliance, repleto de tensão, marca com competência como será o desenrolar da trama: um causticante jogo psicológico. No entanto, mesmo com evidentes nuances de thriller de suspense, o diretor e roteirista Craig Zobel consegue se esquivar de alguns clichês do gênero e delinear a história com certa imprevisibilidade. Afinal: quem está do outro lado do telefone é realmente uma autoridade?
Com a indagação instaurada, a narrativa não se furta a levantar dúvidas sobre a índole de Becky, assim Compliancenão ganha contornos meramente unilaterais. O filme traz problemáticas pessoais da vida da moça para aprofundar seu caráter, mesmo quando seus colegas de trabalho, exceto Sandra, afirmam que a jovem não poderia ter roubado o dinheiro. Enquanto isso, a investigação do policial feita pelo telefone começa a ganhar novos e discutíveis tons. Sem muita cerimônia, o homem manda que Sandra tire a roupa de Becky para revistar suas partes íntimas e para nosso espanto, a gerente acata as ordens. Entretanto, o roteiro do Zobel também procura aprofundar as nuances de Sandra, construindo a mulher como uma pessoa medrosa, reticente quanto ao que pode acontecer quando seus superiores descobrirem que ela não agiu de maneira correta em relação ao caso. E se sentindo dono da situação, o policial aproveita para manipular a mulher a seu bel prazer.
Sempre afirmando que está fazendo uma investigação paralela sobre o caso, o policial ressalta que a qualquer momento chegará ao restaurante para interrogar Becky. Com um funcionário a menos após a reclusão da jovem para revista, que agora aguarda nua no escritório, Sandra precisa ajudar no movimento do restaurante, e com perdão do trocadilho, se torna um prato cheio para o policial instaurar um novo ?método? na condução do caso: ele manda que Sandra arrume um homem para vigiar Becky enquanto ele não chega. O escolhido é o noivo da gerente, que embebedado, comparece ao lugar e triplica o nível de estresse que paira no ar dos ambientes claustrofóbicos de Compliance. Aqui é onde o leitor conclui: essa história parece pouco crível, meio absurda. No entanto, é baseada não apenas em um caso real, mas em diversos. Alémda sensação de aflição sempre presente, não acho errado afirmar que Compliance tem sua porção de horror, aquele mais natural e infelizmente inerente à maldade humana.
Na sua proposta, Compliance é uma obra que beira a excelência. Uma concessão do desfecho, algo que o cinema norte-americano tem dificuldade de se desapegar, talvez amortize um pouco o impacto desse recorte deveras peculiar. O absurdo surreal das situações, o que poderia ser um demérito em uma trama de pura ficção, quando contextualizados a partir de casos reais se torna um retrato contundente de relações humanas em locais de trabalho. Aqui, é importante ressaltar o trabalho uníssono do elenco, com destaque para a atriz Ann Dowd, que traz a naturalidade balanceada para que as atitudes de sua personagem soem sinceras. A Sandra de Dowd, assim como elucida desprezo, também gera pena, principalmente pelas limitações impostas pelo medo de perder seu emprego. Resumo: Compliance, apesar de ser um filme menor, divaga com amplitude e propriedade sobre temáticas pertinentes ao convívio social moderno, onde o medo predomina e o questionamento crítico fica ausente.
Ficha Técnica:
Compliance.
Direção: Craig Zobel.
Roteiro: Craig Zobel.
Ano: 2012.
Elenco: Ann Dowd, Dreama Walker, Matt Servito, Pat Healey, Philip Ettinger, Ashlie Atkinson.
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