Resenha de Filme: Irmãs Jamais (Sorelle Mai)
Cinema

Resenha de Filme: Irmãs Jamais (Sorelle Mai)



Difícil falar de Irmãs Jamais, novo filme do diretor e roteirista Marco Bellocchio, um projeto tão particular quanto o modo como o cineasta captura as imagens dos espaços e dos personagens. É surpreendente a maneira como esse simbólico filme se compõe: misturando ficção e documentário, o diretor utiliza atores (profissionais e não-profissionais) de sua própria família e os grava em situações distintas durante praticamente dez anos, através de uma câmera de vídeo amadora, criando um registro histórico bastante peculiar e intenso. O resultado dessa compilação de imagens é nada menos que uma história orgânica, intimista e questionadora.

Há de se esclarecer que estamos diante de um projeto de extremo viés pessoal. Pra quem não acompanha o trabalho e vida desse diretor terá que fazer algumas pesquisas antes ou depois que assistir ao filme (para tentar entendê-lo em sua completude). Não obstante, adentrar a sala de cinema não sabendo muito previamente ainda terá uma experiência super válida. Por isso que esta arte é incrível (digo isso não coincidentemente, pois no filme há uma certa metalinguagem escondida). Eu mesmo não sabia muita coisa antes de assisti-lo, e o processo de desvendar esse cosmo idiossincrático de Bellocchio foi, com certeza, muito especial.

Seguimos a história de uma pequena família, entre 1999 e 2008, em - talvez a primeira personagem do filme - Bobbio, localizada na província de Piacenza, norte da Itália. Pier Giorgio (filho mais velho do diretor) abre o filme exclamando um trecho de um texto, o qual repete mais algumas vezes no decorrer do filme, que diz, em outras palavras, que existem tantos habitantes numa cidade, mas o fato é que nenhum consegue se destacar. A mesmice e igualdade se dissolve entre as pessoas; todos são inertes e indiferentes entre si. O tom com o qual o ator interpreta sugere uma crítica para a própria situação de seu personagem. Assim como o personagem universaliza algo tirado de um texto particular, Bellocchio tenta universalizar algo ao filmar essa particular realidade.

Que cidade é essa que incomoda tanto Pier Giorgio? Bobbio é a cidade natal de Bellocchio. É ele criticando através de Pier Giorgio? Como decifrar as situações e diálogos dessa ficção que se aproxima tanto com a realidade? Mas uma coisa é certa, Elena (filha do diretor), filha de sua irmã Sara Mai (Donatella Finocchiaro), é um entrave para Pier Giorgio seguir sua vida. Enquanto a mãe tenta a carreira de atriz em Milão, Giorgio cuida da criança dando-lhe amor e atenção devida. As tias do casal de irmãos são os pilares mais antigos ainda vivos da família, e são elas a qual o título do filme se refere.

Se essa cidade do interior imobiliza tanto, as vividas Letizia e Maria Luisa (irmãs do diretor) estão ali para dar suporte e ajudar nas horas em que os personagens necessitarem. A certa altura uma delas diz que as coisas "não são mais como antes". Algo de nostálgico estabelece no filme. Bellocchio tenta dizer algo de sua época recriando assim passagens reais de sua vida e, para tanto, insere cenas em preto e branco de seu primeiro filme, De Punhos Cerrados (I pugni in tasca, 1965).

Aproximando-se do terceiro ato, o próprio Bellocchio aparece interpretando um diretor de uma escola, cuja uma das professoras, Vitaliani (Alba Rohrwacher), está morando de aluguel na casa da família Mai. A problemática da passagem é a discussão sobre a repetência ou não de um dos alunos. Por que essa passagem se torna importante? Uma hora uma das tias diz a inquilina sobre uma história de sua época em que um aluno se matou por ter sido reprovado de ano. Que passado é esse que atormenta e incomoda tanto?

Preciso ressaltar a eficiência da montagem de Francesca Calvelli (usual montadora dos filmes do cineasta) nesse filme, que foi super importante para remontar esse atípico mosaico, deixando-o orgânico e coerente. Em Irmãs Jamais, Marco Bellocchio tenta investigar algo em sua relação com o passado, mas não consegui decifrar totalmente essa relação: acho que de alguma forma o diretor está tentando dizer adeus a ele - talvez o final do filme seja uma metáfora para isso.


Trailer

Ficha técnica
Diretor: Marco Bellocchio
Roteiro: Marco Bellocchio
Elenco: Pier Giorgio Bellocchio, Elena Bellocchio, Donatella Finocchiaro, Letizia Bellocchio, Maria Luisa Bellocchio e Alba Rohrwacher
Produção: Rai Cinema e Film Kavac
Distribuidora: Filmes da Mostra



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