Crítica - The Artist (2011)
Cinema

Crítica - The Artist (2011)


Realizado por Michel Hazanavicius
Com Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell

É por estas e por outras que o cinema é um verdadeiro espectáculo. Numa era em que a aparição do fenómeno 3D ameaça alterar a face da 7ª Arte para todo o sempre, eis que um filme mudo e a preto-e-branco tem o condão de encantar meio mundo com a sua magia e venerável simplicidade. Desde há muito tempo que se vivem dias de boom tecnológico, aperfeiçoando-se as técnicas de efeitos visuais e o próprio modo de fazer cinema a toda a hora e minuto. Raios, vivemos numa era em que se começa a considerar a ideia de substituir actores por avatares oriundos da performance capture, razão pela qual o triunfo (a todos os níveis) de ?The Artist? se torna ainda mais peculiar. É precisamente quando a 7ª Arte se encontra à beira de novos booms tecnológicos que um filme que presta homenagem aos primórdios do cinema arrasa com tudo o que há para arrasar. Isto mostra que talvez não estejamos tão dispostos a esquecer o passado quanto muitos querem fazer parecer. O ser humano é um ser nostálgico por natureza, apegando-se às coisas precisamente quando elas ameaçam extinguir-se para toda a eternidade. E se há coisa que este ?The Artist? faz é relembrar o ser humano que a História (neste caso, a História do cinema) tem ainda muito para oferecer, tanto em termos educativos como referenciais. Se houvessem dúvidas em relação à capacidade e ao valor de um filme mudo, especialmente nos dias que correm, que essas dúvidas fiquem desde já obliteradas. Pois ?The Artist? é muito mais que um filme deslumbrante, fascinante, hipnotizante, e todos os outros adjectivos terminados em ?ante? do léxico português. ?The Artist? é, acima de tudo, a pérola clássica de que o cinema soterrado em sofisticações artificiais tanto necessitava para poder respirar um pouco de ar puro. Meus amigos saudosistas, é tão simples quanto isto: se fazem parte do grupo de cinéfilos que acha que Michael Bay é o Diabo em pessoa, então esta obra far-vos-á acreditar que Michel Hazanavicius é Deus Todo-Poderoso.




No ano de 1927, em plena era dourada de Hollywood, a estrela do cinema mudo George Valentin (fabuloso Jean Dujardin) tem o mundo a seus pés. Ninguém é maior do que ele no showbiz das fitas em movimento. Ele é o artista por excelência. Bonito, carismático, sedutor, talentoso, afectuoso, George tem tudo o que é preciso para triunfar num universo tão duro quanto este. Algo que, inadvertidamente ou não, faz com que o seu ego cresça e se torne um pouco orgulhoso. Por casualidade ou desígnio do destino, George conhece a bela e jovial Peppy Miller (não menos fabulosa Bérénice Bejo) no dia de estreia do seu mais recente projecto. E a partir desse momento, sabendo que a jovem ambicionava entrar de unhas e dentes no mediático mundo do cinema, ele decide apadrinhá-la, convencendo o produtor Al Zimmer (John Goodman) a conceder-lhe uma oportunidade. Mas mal ele sabia que este gesto de filantropia lhe iria selar um destino mais negro do que alguma vez pudesse imaginar. Pois servindo-se do seu charme e talento natural, Peppy não tarda nada a elevar-se até ao estrelato, fazendo-lhe concorrência feroz. E com o inesperado surgimento do cinema sonoro, George vê Peppy roubar-lhe mesmo o estatuto que ele uma vez possuíra. Recusando-se a fazer parte desta nova era da indústria cinematográfica, George entra em desacordo com Zimmer e vira-lhe as costas, convencido que estava que o público continuaria a manter-se fiel ao seu talento, fosse capaz de ouvir a sua voz ou não. Mas o Homem é um ser leviano e de memória reduzida. E o outrora rei do cinema mudo depressa se vê esquecido e arredado de toda a indústria, assombrado que começa também a ser pela tempestade da crise económica de 1929?




?The Artist? é metade filme mudo, metade musical intuitivo. Digamos que se aproveita do melhor que estes dois géneros têm para oferecer, para criar uma obra cheia de garra, vitalidade e dois ou três toques de génio. Nem sempre nos é dado a conhecer o que as personagens dizem, mas também não precisamos dessa informação para acompanhar a trama com todo o prazer. Servido por uma banda-sonora (composta por um Ludovic Bource tremendamente inspirado) tão eclética quanto enternecedora, o fluxo de imagens que desponta ante os nossos olhos revela-se mais do que suficiente para ficarmos a conhecer George Valentin e Peppy Miller com um grau de profundidade absolutamente extraordinário. Michel Hazanavicius serve-se mesmo desses jogos de informação para direccionar o pensamento do espectador no sentido mais desejado, pregando-lhe inúmeras partidas que lhe fazem as delícias visuais e auditivas. São muitos os truques utilizados por Hazanavicius para encantar e surpreender o espectador mais desprevenido. Desde pesadelos que subitamente enchem a sala de sons inesperados até onomatopeias que brincam com os ajuizamentos da audiência, o realizador francês identifica tudo aquilo que o cinema mudo tem de melhor para levar o espectador numa viagem verdadeiramente inesquecível. Sem dúvida alguma, esta película dará uma volta de 180º às carreiras de Hazanavicius, Dujardin e Bejo. A Hazanavicius porque esta é uma obra que põe a nu todo o talento de um realizador genial; a Dujardin porque ele é o grande artista da película; e a Bejo porque a sua presença é suficientemente forte para deixar uma marca no coração do espectador. Tem-se dito que ?The Artist? é uma carta de amor ao cinema mudo. Eu digo mais: ?The Artist? é uma carta de amor ao misticismo do cinema e à paixão dos cinéfilos de todo o mundo. Estou certo de que esta obra fará com que os mais cépticos e acinzentados percebam o motivo pelo qual tanta gente gosta de cinema. Porque este filme é a imagem espelhada de tudo aquilo que o cinema tem de melhor. Esta sim, é uma obra intemporal e verdadeiramente maravilhosa. E por isso daria um óptimo e muito justo vencedor da 84ª cerimónia dos prémios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.


Classificação ? 5 Estrelas Em 5



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