Assim como aconteceu no filme O Palhaço seguem abaixo dois textos de nossos comentaristas. Vale ressaltar que vimos o filme em cidades separadas em momentos distindos e escrevemos os textos sem comentar nada um com o outro. Qualquer semelhança ou diferença significativa de opinião é fruto meramente da formação e gostos individuiais, espero que gostem.
Texto de Silvano Vianna Semana passada fui conferir o documentário que aborda a vida de um dos maiores poetas da música braileira, Raul Seixas. O filme entra em cartaz em 6 capitais brasileiras nessa semana e espero que depois disso em outras salas. O projeto teve apoio dos governos de São Paulo e Rio de Janeiro (incluindo as duas prefeituras também) e lamentavelmente não recebeu nenhuma verba de Salvador ou do Governo da Bahia (digo isso por Raul ser baiano e soteropolitano de nascimento). O ponto forte da obra são os arquivos disponibilizados e que ajudam bastante a entender quem foi o homen e a figura Raul Seixas.
A direção é de Walter Carvalho e Leonardo Gudel. O Walter Carvalho já participou de várias produções, mas trabalha geralmente comandando a parte de fotografia. Ele já dirigiu 6 filmes sendo que os de maior destaque foram Cazuza - O Tempo Não Pára e Janela da Alma (também documentário). Já o Leonardo Gudel tem pouco tempo de estrada nos cinemas, tendo trabalhado mais em programas para TV, em 2009 ele trabalhou ao lado do Walter no filme Budapeste do qual foi assitente do diretor - aqui eles novamente repetem a parceria.
O documentário é fruto de um extenso trabalho da dupla que consegue transpor muito da vida de Raul para as telas. Eles optaram por tentar seguir a ordem cronológica da vida do cantor, abordando fatos artísticos - seus primeiros passos, as bandas, construção das músicas mais famosas - e sua vida pessoal, sendo dividida na relação com os parceiros musicais mais significativos e principalmente a sua vida amorosa (bem agitada diga-se de passagem). Isso de certa forma facilita a vida do espectador e ajuda a entender um pouco melhor como foi que surgiu esse fenômeno da música brasileira, o que ele pensava, quais os seus sonhos e consegue conectar melhor a história de vida desse personagem.
Ao contrário do documentário Filhos de João, Admirável Mundo Novo Baiano, Raul Seixas - O início, o fim e o meio tem um tom mais sério. Seus entrevistados são mais sucintos e objetivos nos comentários a respeito da figura Raul Seixas e a participação de Tom Zé aqui também é muito pequena (ainda que igualmente singular). Gostei muito da sinceridade dos depoimentos (ou aparente sinceridade) e perceber o quanto Raul ainda toca a vida de tantas pessoas (e como toca por sinal, especialmente da juventude que sempre é atraída por suas letras). O material inédito também é muito impressionante com direito a gravações de Raul ainda adolescente fazendo couver de Elvis.
Raul Seixas - O início, o fim e o meio é uma ótima pedida para quem gosta de bons documentários e também para os fãs ou pessoas que queiram saber um pouco mais da vida do mito Raulzito. Produções nacionais com essa qualidade e feitas com esse cuidado não aparecem todos os dias então nada mais justo do que irmos ao cinema para prestigiar.
Texto de Celo Silva
Raul Seixas é um mito. Fato. Então as historias dos mitos não devem ser contadas? Bem, isso é o que em certo momento o escritor e ex-parceiro Paulo Coelho afirma em seu depoimento para o fantástico documentário Raul, O Inicio, O Meio e O Fim. Dirigido por Walter Carvalho, o mesmo de Budapeste e Cazuza (que co-dirigiu com Sandra Werneck), esse DOC esmiúça com propriedade a trajetória desse ícone da música brasileira. Desde seus primeiros momentos, ainda na sua terra natal Bahia, aonde conheceu a música através de Elvis Presley, passando pelos anos 70 e o envolvimento com drogas, alcoolismo e seitas religiosas, até os seus últimos momentos e as já lendárias 50 apresentações que fez ao lado do também cantor Marcelo Nova.
O diretor Walter Carvalho faz uma construção sincera dos fatos, não opta por omitir situações que pudessem denegrir a imagem de Raul Seixas, até porque Raul era o tipo de sujeito que não precisava esconder nada de ninguém (somente uma garrafa de bebida para que sua mulher não visse ao entrar em casa). O cantor tinha uma espécie de ?foda-se? ligado o tempo todo, tanto que desejava que suas canções não fossem enquadradas em algum gênero especifico. Podia parecer rock, mas carregavam elementos de baião (do qual era fã declarado de Luiz Gonzaga) e de outros ritmos pertinentes ao povo brasileiro, como toques de candomblé e samba. O mesmo definia seu trabalho como ?raulseixista?, repudiava que o acusassem de fazer música de protesto, porque era evidente que transcendia o próprio termo. O jornalista Pedro Bial em seu depoimento deixa claro que as letras de Raul eram tão inteligentes que ludibriavam a ditadura (eles não entendiam o que aquele maluco beleza queria dizer). Na verdade, Raul Seixas era dos poucos artistas que realmente faziam contracultura no Brasil.
As historias sobre as belas canções (ouro de tolo, tente outra vez, metamorfose ambulante, maluco beleza, al capone...) de Raul Seixas são muitas e tão interessantes que o diretor poderia perder boa parte do filme contando sobre elas, mas de forma louvável e emocionante ele mescla esses contos com depoimentos de suas tantas ex-mulheres, filhas, de amigos, dos parceiros que teve pela estrada, de outras celebridades que o admiravam, do amigo pessoal e presidente do seu fã clube que detêm um acervo impressionante sobre Raulzito. Walter Carvalho, sem rodeios, ainda tem a coragem em tocar em um assunto delicado e confuso, que seria o envolvimento de Raul e Paulo Coelho com uma seita ocultista que pregava os conceitos do britânico Aleister Crowley (o libertarianismo do Faça o que tu queres) e que seria a propulsora da tal Sociedade Alternativa que ambos tentaram difundir nos anos 70. O diretor tem a ousadia de mostrar cenas de um filme intitulado Contatos Imediatos do Quarto Graal, em que aparecem seqüências de Raul e Coelho sacrificando animais.
Considerações mórbidas a parte, que não deixam de engrandecer o contexto do filme. Raul, O Inicio, O Fim e O Meio tem uma fluidez impressionante. Em nenhum momento a narrativa se torna enfadonha, apesar de suas 2 horas de projeção. O envolvimento que Walter Carvalho cria entre o espectador e o representado é fantástico, uma montagem lúdica, surpreendente, comovente e divertida. Claro que muito se vale do próprio carisma de Raul Seixas, que arranca facilmente varias risadas do público quando aparece em cena. Ele tinha um humor tão acido e critico e que ainda assim parecia natural, como se não forçasse nenhum pouco para que alguma tirada sua saísse tão única e engraçada. Apesar de todo um tom mítico (como a citação de que Raul emanaria o cheiro de flores), a intenção também é de humanizar a lenda e o documentário não deixa de dialogar sobre os momentos mais tristes de sua trajetória: a sua morte e dos seus possíveis motivos. Definitivamente, a grandeza do personagem e de como é tratado faz com que essa realização deva e mereça ser reverenciada de todas as maneiras possíveis.
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