Desde ?A Bruxa de Blair? o gênero mockumentary, reunião das palavras mock (falso) e documentary (documentário), tem sido bastante freqüente no cinema. Muitos foram os filmes produzidos na última década que utilizaram linguagem documental para contar uma ficção baseada em fatos ?irreais?. Obras como ?REC?, ?Cloverfield? e ?Atividade Paranormal? são exemplos recentes do gênero, por vezes considerado saturado em função do excesso de produções e da qualidade duvidosa de algumas delas.
De certa forma, Distrito 9, do sul-africano Neill Blomkamp, dá sobrevida ao estilo, sobretudo na primeira metade do filme, em que câmeras nervosas que perdem o foco, imagens de segurança, fotografia dessaturada e depoimentos supostamente verdadeiros de ?especialistas?, conferem um tom realista e convicente à história de alienígenas exilados em plena cidade de Johanesburgo.
Também o roteiro de Terri Tatchell, coescrito pelo diretor estreante em longas, é bem sucedido na maior parte do tempo, ao fazer do movimentado sci-fi uma referência clara ao Apartheid, regime que vigorou legalmente na África do Sul entre 1948 e 1990, em que os brancos detinham o poder e os negros eram obrigados a viver segregados. Não é a toa que a nave alienígena tenha pousado na maior cidade daquele país e não em Nova York, Washington, ou outra grande capital norte-americana, como é habitual em outros filmes sobre invasões extraterrestres.
Desnutridos, doentes e famintos quando sua espaçonave pára de funcionar, os alienígenas são encaminhados para uma área delimitada dentro da cidade, o Distrito 9. Com o tempo a área se transforma em uma grande favela e seus habitantes, chamados pejorativamente de prawns (camarões), passam a ser cada vez mais hostilizados pela população humana. Mercado negro de armas extraterrestres e comida de gato (alimento preferido dos ETs) controlados por gangues nigerianas, além de prostituição entre espécies e imagens de crianças alienígenas procurando comida em lixões, enfatizam o estado de profunda marginalidade dessa população.
As manifestações generalizadas de xenofobia e o estranhamento que os seres de aparência insectóide e seus hábitos estranhos provocavam na população, levam o governo à decisão de removê-los para um campo de concentração.
O encarregado por entregar a ordem de despejo, Wikus Van De Merwe, interpretado com extrema competência por Sharlto Copley, é um funcionário burocrata da Multi-National United (MNU), empresa contratada para controlar os alienígenas e transferí-los de local sob pretextos humanitários, embora o verdadeiro interesse da corporação seja na fabricação de armas com tecnologia extraterrestre.
Wikus protagoniza uma grande reviravolta na história, ao ser contaminado por um misterioso vírus alienígena que modifica o seu DNA e o torna o homem mais procurado do mundo. Debilitado e difamado, sem casa ou amigos, passa a ser vítima do mesmo preconceito sádico que alimentava, e os antigos inimigos se tornam os maiores aliados, numa alegoria humanista e de certa forma simplista, em que o protagonista precisa provar do próprio veneno para reconhecer a extensão de seus erros.
Com um orçamento de apenas 30 milhões de dólares, Distrito 9 surpreende pela direção de arte competente e pelos excelentes efeitos visuais patrocinados por Peter Jackson, que também produz o longa. Se por um lado os méritos técnicos colaboram imensamente para manutenção do realismo pretendido, o filme falha em sua segunda parte, quando sem maiores explicações abandona o tom documental e perde em consistência ao utilizar cortes e planos convencionais.
Um ponto fraco é o excesso de didatismo em diversos momentos, quando surge uma voz em off ou algum depoimento desnecessário para explicar o que o espectador já está vendo. Ainda assim, sobram méritos ao filme que proporciona boas surpresas ao longo de toda a projeção.
Além disso, não se pode deixar passar em branco a reflexão sobre tolerância e respeito às diferenças a que Distrito 9 nos convida. Não é difícil nos colocar no lugar da civilizada população de Johanesburgo e sentir o mesmo tipo de repulsa por aqueles seres estranhos de aparência asquerosa e hábitos extravagantes que o filme nos apresenta. E por acaso não seríamos capazes de agir exatamente assim com aqueles que, por cultura, ideologia ou preferências distintas, parecem diferentes de nós? Pensar a respeito já vale o filme.
Um Grande Momento
Wikus é encarado por uma criança extraterrestre. Ao perguntar ao pai a razão, ouve como resposta que o pequeno alienígena gosta dele, já que ambos são iguais.
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