Cinema
MONTY PYTHON'S LIFE OF BRIAN - A VIDA DE BRIAN - por Filipe Lopes
O final da década de sessenta, mais precisamente o ano de 1969, foi testemunha do nascimento de um grupo composto por meia dúzia de jovens com uma criatividade quase inesgotável, uma ironia tresloucada e um mordaz espírito crítico em relação a tudo o que os rodeava. Os seus nomes: Graham Chapman, John Cleese, Eric Idle, Terry Jones e Michael Palin, todos ingleses, aos quais se deve acrescentar, ainda, Terry Gilliam, o único não britânico (Gilliam é americano) da equipa que ficou conhecida como 'Monty Python'. Da união destes seis jovens (o mais velho, John Cleese, ainda não tinha 30 anos) surgiu uma das mais fabulosas e míticas séries cómicas da televisão inglesa (e mundial!) de que há memória - "Monty Python's Flying Circus". Cada episódio era constituído por várias pequenas histórias que contavam com a participação de todos, tanto na escrita, como na interpretação das mesmas. Embora parecesse não haver qualquer ligação entre cada sketch, cabia a Terry Gilliam interligá-los, através das suas estranhas mas divertidas animações. O resultado foi um gozo descomunal, repleto de nonsense, que se manteve em exibição na BBC durante cinco anos consecutivos, de Outubro de 1969 até Dezembro de 1974. Em 1971 fizeram, de propósito para o mercado americano, um filme a que chamaram "And Now For Something Completly Different" e que incluía cenas regravadas dos episódios exibidos em televisão nos dois primeiros anos.
Em 1975 surge a segunda e (genial) longa-metragem - "Monty Python and the Holy Grail" - realizada a quatro mãos (por Terry Jones e Terry Gilliam), mas escrita a doze (a escrita continua a ser um acto partilhado globalmente) e que muitos consideram ser a melhor coisa que aquelas seis cabeças fabricaram. Confesso não ser muito fácil, de facto, decidir qual tem mais qualidade, sobretudo se tiver de comparar entre esta e a película seguinte - "Monty Python's Life of Brian" - feita quatro anos depois; mas a ter que eleger uma delas, a minha escolha recai sobre esta última, como se nota, aliás, pelo título deste artigo. "A Vida de Brian", nome que teve em Portugal, é uma sátira bíblica muitíssimo bem disposta situada cronologicamente na época de Jesus Cristo, mas, e antes que alguém comece já a acusá-la de blasfémia, convém dizer que a história não se centra em Jesus, mas numa outra personagem que terá nascido na mesma altura - o tal Brian do título. Terry Jones realizou este verdadeiro ícone da comédia dos últimos 25 anos, mas foi autor de outros títulos, como "The Meaning of Life - O Sentido da Vida" (1983), no qual repete a parceria de "Monty Python and the Holy Grail" com Terry Gilliam, "Erik, The Viking" (1989) e um episódio da série televisiva "As Aventuras do Jovem Indiana Jones, datado de 1992".
Mas vamos ao que interessa. O filme começa como uma normal fita de Natal. Três homens seguem uma estrela e entram numa gruta à procura do Messias, levando-lhe, como presente, ouro, incenso e mirra… parece que já viram isto em qualquer lado, não é? Pois… só que a receber os Reis Magos está Terry Jones travestido em Mandy, a mãe do menino daquela caverna. Jesus está mais à frente, na mesma rua, como reparam já cá fora e depois de terem prestado homenagem à criança errada. É na vida desse bebé - Brian -, agora já com 33 anos, que se centra toda a história, até terminar de uma forma que tem muito mais de cómico do que de trágico, através de uma crucificação, no mínimo, 'sui generis'. Tirando a parte cómica, o resto continua a parecer familiar, não é? De facto as analogias com a história que deu origem ao Novo Testamento são profusas e hilariantes, mas o paralelismo que existe com o percurso de Jesus Cristo, cuja coexistência é sublinhada algumas vezes mas que raramente aparece no enquadramento, é, simplesmente, delicioso. Estou a lembrar-me, por exemplo, de um leproso que foi curado contra a sua vontade por um milagre do Mestre, que dessa forma lhe tirou o ganha-pão como pedinte… elucidativo, não é? E pedaços como este, de saboroso e requintado humor, atravessam toda a narrativa, tornando "Life of Brian" numa das mais hilariantes e desbragadas comédias de sempre. O meio clerical mais conservador não teve esta visão na altura da estreia em 1979 (e ainda hoje a não tem). Pelo contrário, moveu-lhe uma perseguição feroz que só contribuiu, claro está, para a sua meteórica transformação em filme de culto - a velha máxima do odiado por uns, amado por outros adequa-se aqui na perfeição.
Bom, mas feitas as contas, temos mais de hora e meia (94 minutos, sensivelmente) de gargalhadas e isso é o que mais interessa. "A Vida de Brian"é, talvez, o filme que melhor simboliza o universo dos Monty Python, já que eles sempre se divertiram em subverter saudavelmente tudo o que lhes apeteceu, se bem que se aconselham vivamente todos os outros trabalhos que eles fizeram, quer em conjunto, quer cada um por si. Não resisto é em adoçar-vos um pouco mais a boca, quanto a este filme: imaginem um Pôncio Pilatos que troca os érres pelos éles a falar a uma multidão que ri desenfreadamente da sua oratória; ou um eremita que não falava há 18 anos e as primeiras palavras que diz são "Ai, o meu pé!", quando Brian o pisa ao atirar-se para um buraco quando tentava fugir de uma multidão de (per)seguidores; ou, ainda, quando alguém dá uma ajudinha a um dos futuros crucificados, levando a sua cruz e acabando por ser crucificado no seu lugar… o final, então, transmite-nos uma boa disposição que se mantém durante semanas a fio. É como eles dizem, caro leitor: Always look at the bright side of life!
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