Resenha de Filme: Era uma Vez em Anatólia (Bir zamanlar Anadolu'da)
Cinema

Resenha de Filme: Era uma Vez em Anatólia (Bir zamanlar Anadolu'da)



Tudo parece meio exagerado em Era uma Vez em Anatólia, do cineasta turco Nuri Bilge Ceylan. A começar pela metragem, suas mais de duas horas e meia parecem não se justificar ao decorrer da trama. Posteriormente, o apreço por inúmeros planos-sequências de longa e média duração, com direito a um em que especialmente acompanhamos uma maçã rolar por um riacho. Também muitos dos diálogos são desconexos do mote principal: encontrar um cadáver ocultado. Apesar de serem características que possam denotar algumas considerações negativas, creio funcionarem com eficiência ao passar a verdadeira sensação do filme: a rigidez naturalista dos fatos. Adicione a esses ingredientes a ausência de trilha sonora e temos um filme bastante incômodo, principalmente por relatar os percalços da investigação e como ela vai influenciando os envolvidos. Com destaque para três personagens: o promotor Nusret (Taner Birsel), o médico responsável, Cemal (Muhammet Uzuner), e o chefe de polícia Mukhtar (Ercan Kesal).

Ambos os personagens se revezam no protagonismo de Era uma Vez em Anatólia. E aos poucos revelam seus anseios, trazendo assim algumas camadas para o filme. O promotor é um sujeito comprometido com um passado meio obscuro e surge com uma história meio sinistra elucidando uma metáfora sobre sua própria vida. O médico, recém divorciado, sente saudades da ex-esposa, mas tenta se manter firme, apesar dos deslizes. O chefe de polícia têm sérios problemas familiares e prefere protelar sua volta para a casa sempre se excedendo no trabalho. A história dos três se confunde quando invadem a noite, madrugada e o nascer do dia seguinte a procura do corpo de um homem morto. A tiracolo levam os dois comparsas que cometeram o crime para assim indicarem o lugar do ocultamento. Mas nada parece muito fácil. Primeiro porque um dos assassinos reluta em colaborar. Segundo, a geografia de Anatólia, a parte asiática da Turquia, também atrasa o trabalho com seus lugares de difícil acesso, quase selvagens. 

Ao lado do argumento da investigação de um homicídio doloso, caminha de forma orgânica esse sub-tema de trazer as problemáticas da localidade em questão - Anatólia - aparentemente parada no tempo, com suas vilas rústicas e pessoas de caráter inurbano, ainda apregoadas a dogmas arcaicos. Não a toa o grupo estaciona para descansar em um cenário assim, rendendo algumas sequências que denotam boa parte dos costumes antigos da Turquia. Tais momentos não parecem fazer muito sentido dentro da trama, até mesmo a deixa pouco fluída, arrastada e exigindo mais perseverança do espectador para acompanhar o filme. Entretanto, se fazem pontuais para corroborar a estética narrativa com toques de documentário que Era uma Vez em Anatólia carrega. Confirmada ainda pela distanciada e observadora câmera de Nuri Bilge Ceylan, procurando sempre enquadramentos onde possa surgir vários personagens encenando tanto na superfície do plano quanto em sua profundidade e assim aumentando a impressão de realidade da cena.

Pela explanação feita até agora sobre Era uma Vez em Anatólia, se nota que o diretor tem muito apreço pelas características imagéticas de sua obra. Claro que aqui também não poderia faltar uma belíssima fotografia, dessas de comover e encher os olhos do público. Mas o trabalho de Nuri Bilge Ceylan não é somente uma alegoria a ser admirada por seu visual, não que isso a priori seja um demérito. Existe todo um cuidado na elaboração dos personagens, abalizados pelas competentes atuações da trinca principal, onde se fazem oscilar com destreza a frieza acachapante e momentos de sentimentalismos contidos. Creio que essa escolha de observar e também se aproximar aos conflitos humanos, no qual nenhum dos indivíduos é um herói, possa ter sido diferencial e fator determinante para Era uma Vez em Anatólia conquistar tantos prêmios e nomeações ao decorrer de sua carreira, com destaque para o Grande Prêmio do Juri no Festival de Cannes de 2011. Pois  realizar um filme que vai a contramão de clichês, rigoroso na construção dos personagens e distribuindo qualidades técnicas não é mesmo pouca coisa. É muita.





Ficha Técnica:
Era uma Vez em Anatólia (Bir zamanlar Anadolu'da).
Direção: Nuri Bilge Ceylan.
Roteiro: Nuri Bilge Ceylan, Ebru Ceylan, Ercan Kesal.
Ano: 2011.
Elenco: Taner Birsel, Muhammet Uzuner, Ercan Kesal, Yilmaz Erdogan, Ahmet Mümtaz Taylan, Firat Tanis.



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