Cinema
Começando uma participação que se espera longa e interessante, é publicado hoje o primeiro texto de um novo colaborador. António Reis é um frequentador activo de festivais desde jovem, autor de diversos livros sobre cinema, seguidor do que se faz em cinema e foi por diversas vezes júri em festivais. A semana passada falou na Universidade do Minho sobre os 25 anos do Fantasporto e hoje o director do maior festival português escreve sobre o maior festival do mundo.
Cannes um balanço em síntese
A experiência de uma estadia no Festival de Cannes é um misto de excitação e de desalento. Excitação pelo ambiente efectivo de festa e de festival, de glamour e de cinefilia que se respira em toda a marginal. Desalento porque já não é um festival à escala humana, mas antes uma imensa feira de vaidades nas festas, passerelles e recepções, de negócios no cada vez mais importante Mercado do Filme, a par de uma mini-expo, a Village Internacional, à beira mar plantada, com os seus stands nacionais e esplanadas. Para cada gosto Cannes tem o seu espaço próprio mas estes múltiplos Cannes são praticamente incompatíveis entre si, tanto em termos de espaços físicos como em termos de tempo. Sobretudo em termos do tempo que exige – dedicação quase exclusiva. A competição, o acompanhamento das conferências de imprensa e a leitura matinal e obrigatória dos quilos de informação disponibilizados aos jornalistas, é por si só uma tarefa que ultrapassa em muito, o horário diário permitido pela legislação em vigor. Visionar as secções oficiais ou paralelas do festival – “Quinzaine” ou “Un Certain Regard” entre outras, se por um lado revelam algumas das obras mais inovadores e criativas das novas tendências do novo cinema, exigem uma disponibilidade a tempo inteiro e uma opção estética muito própria. E finalmente o Mercado – essa imensa feira de negócios – sobre filmes uns que são virtuais e nem existem enquanto filme, outros que são meros promos publicitários e alguns filmes terminados.
Não admira que os portugueses presentes este ano em força no Festival, raramente se encontrassem. Desse mundo imenso que é Cannes sintetizam-se algumas ideias principais sobre a edição 2005:
1 - O cinema coreano continua em grande actividade, mas o seu elan de interesse e originalidade começa a perder relevância, repetindo muitas das temáticas e do estilo narrativo
2 - Em contrapartida o cinema indiano ameaça tornar-se a grande revelação dos anos mais próximos se tiver um pouco de auto-controlo sobre as durações dos seus filmes e da paciência dos espectadores ocidentais.
3 - O cinema espanhol vai de vento em popa sobretudo no fantástico de terror e de comédia macabra com apostas consistentes e variadas, apoiados por um marketing de uma eficácia impressionante
4 - O cinema semi-independente norte-americano é sempre um bem querido em Cannes - Jarmush, Allen e até Lee Jones. sabem que Cannes tem um ódio de estimação pelos grandes estúdios, mas tem um fraquinho irresistível pelos independentes.
5 - Por muito que custe, o ano de fantástico não augura, para já, nada de especialmente bom no género. Precisa-se urgentemente um novo fôlego para o fantástico
6 - Sugeria que tivessem debaixo de olho o cinema da Tailândia. Pode vir do extremo Oriente a surpresa maior.
7 - Por muito que nos custe a maior parte do cinema que se vende em Cannes é lixo audiovisual, sem interesse nem qualidade.
8 - Finalmente o Palmarés. Cannes esteve igual a si própria. Premiou um cinema inteligente, social e politicamente correcto, distribuiu por todos os continentes as suas palmas. Agradou a gregos mas não agradou a troianos.
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