La nuit américaine, a noite americana, é um truque que consiste em aplicar um filtro nas lentes para filmar cenas nocturnas de dia. O título deste filme é esclarecedor: o cinema é magia, o cinema é uma mentira, o cinema mostra o que o homem quiser mostrar.
Quem já esteve por trás das câmaras sabe que é preciso estar completamente à vontade por entre pessoas e adereços de cinema para poder filmar. Se o que se pretende filmar é a rodagem de um filme, então o à-vontade tem de ser ao quadrado. O exemplo maior dessa arte de filmar a arte veio de Truffaut. Em “La Nuit Américane” temos a produção de um filme e as histórias paralelas que afectam actores, técnicos, duplos, anotadores, e o realizador que consegue gerir tudo isso.
Ferrand é um realizador que está a fazer "Je vous presente Pamela", um drama/romance sobre uma jovem inglesa que se apaixona pelo sogro. Tudo na rodagem está a correr bem. O actor principal colocou a namorada como revisora do argumento para estarem juntos, mas ela é competente. Os actores que fazem de pais dele em tempos tiveram um caso, mas dão-se muito bem. A actriz estrangeira teve uma depressão e esteve um ano parada, mas chega cheia de vontade de trabalhar e tem um francês razoável. Quando se junta mais de 50 pessoas num local apertado elas começam a interagir, a conhecerem-se, a descobrirem as falhas uns dos outros, a levarem-se ao desespero. Os prazos que estavam apertados ficam impossíveis e os azares acontecem a todo o instante. Ferrand e Joelle, sua assistente, são os únicos que conseguem manter a calma no meio disto tudo.
Truffaut disse a Hitchcock que seria grandioso alguém fazer um filme sobre fazer um filme. Poucos tentaram, menos conseguiram, mas Truffaut consegue-o plenamente. Por um lado explica o que é fazer um filme. Dá uma miríade de personagens com diferentes funções, cada um com o seu horário e os seus problemas pessoais, cada um insignificante e ao mesmo tempo fundamental para a conclusão do filme. Não é preciso saber cinema para perceber quem são, mas é preciso ver este filme antes de se tentar ser qualquer um deles. Só aqui se compreende a magnitude de uma produção profissional e com a vantagem de ser um filme europeu, e portanto, um filme onde se cruzam pessoas de diferentes idiomas sem que todos falem miraculosamente a mesma língua como nativa.
Estando o básico ensinado, Truffaut brinca com quem sabe de cinema. A veterana que quer dizer números para ser dobrada em vez aprender as falas. Os adereços desencantados de sítios improváveis. Os
affairs começados e os casamentos terminados. O jovem actor (o delfim de ouro dos mestres franceses Jean-Pierre Léaud) que tem como plano de noite romântica perfeita ver o máximo de filmes nas 37 salas de Nice e comer uma sandes se sobrar tempo. Outro actor que vai constantemente ao aeroporto em busca de algo que lhe falta. A actriz (Jaqueline Bisset no auge da beleza) que tem um coração demasiado grande e faz de tudo pelo filme. E novamente - é importante referir esta gente - um lote de intervenientes supostamente secundários, mas que fazem das tripas coração para manter tudo em funcionamento (“poderia deixar um homem por um filme, mas nunca um filme por um homem”). É preciso saber muito de Cinema e das gentes do Cinema para falar assim e Truffaut prova que sabe. Teve ainda a sorte de descobrir Nathalie Baye que aguenta o filme fazendo a pesonagem que aguenta o outro filme.
Sobre a parte da realização e os dramas internos do realizador há uns excelentes monólogos e sonhos de quem só tem o Cinema na cabeça. Além do malabarismo com quem faz o filme, tem de enganar o chefe de produção e conseguir milagres contra tudo e todos. A personagem é das menos importantes, mas como é o próprio Truffaut a fazê-la está honesta e perfeita. E sobre o filme dentro do filme, tudo o que importa saber é que tem de ser feito.
A lição a tirar é que aquilo que vemos em duas horas de projecção é apenas uma ínfima parte da magia que acontece. Quem assiste à rodagem tem sempre histórias para contar e ao ver tão mentirosa sinopse do que se passou nessas semanas - aquilo vulgarmente chamado de filme - sorrirá certamente, mas no fundo do coração terá sempre muitas memórias íntimas e uma opinião diferente dos espectadores que vêem tudo com filtro. Por isso é que trabalhar em cinema é uma relação de amor-ódio. Por isso é que quem ama Cinema o ama perdidamente e vive para ele. E tudo isso é aqui mostrado, pelos olhos de quem o ama, de quem o mudou e de quem morreu a pensar nele. A caminho dos quarenta anos ainda é o maior filme sobre esta faceta do cinema.
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