A SOPA dos pobres
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A SOPA dos pobres


Nos Estados Unidos em Outubro começou a ser falada uma proposta de lei chamada SOPA - Stop Online Piracy Act. Esta dizia que o Department of Justice (Ministério da Justiça) e os proprietários de material copyrighted facilmente conseguiriam ordens judiciais contra websites acusados de incentivar ou facilitar a pirataria. Essas acções poderiam consistir em impedir sites de pagamentos (como PayPal) de trabalharem com eles, motores de busca (como Google) de os mostrarem ou mesmo impedir os Internet Service Providers/Prestadores de Serviço de Internet (aqueles a quem pagam a mensalidade como MEOs, ZONs e outros que tais) de permitirem o acesso a tais conteúdos. Pretende também tornar o streaming totalmente ilegal com penas até dez anos pelo download de dez músicas ou filmes em meio ano.
Essa lei teria facilitadores à fiscalização com algumas benesses para aqueles que tomassem acções próprias para impedir a ilegalidade, e teria penalizações contra falsas acusações para proteger negócios legítimos. Os maiores nomes do mercado da Internet - AOL, eBay, Facebook, Google, LinkedIn, Mozilla, Twitter, Yahoo!, Zynga - começaram uma mega-petição contra alegando que é uma violação da Primeira Emenda (liberdade de expressão), é censura, é um ataque à Internet e ao discurso livre, e se recusam a dar a qualquer governo tal poder sobre as pessoas. Dão como exemplo que se fecharem os proxy tunnels (ferramenta para disfarçar online identidade/localização) que permitiriam contornar a lei, a Primavera Árabe nunca teria tido lugar. Quanto à despesa/prejuízo que lhes impõem alegam que “as empresas tecnológicas são as únicas no país a gerar emprego. Querem matar a galinhas dos ovos de ouro para salvar um negócio moribundo’”.
Isto é uma actualização do Millenium Act de 1998 que dava aos criadores que encontrassem material seu indevidamente online, permissão para contactar o site a pedir a remoção e o site tinha alguns dias para agir em conformidade. Agora o site é imediatamente fechado até normalizar a situação. Sites mais “pequenos” e incapazes de controlar os conteúdos (como Vimeo ou Flickr) correm risco de simplesmente fechar.

Toda esta gente e os utilizadores informados de internet aguardam em suspense a decisão final. A campanha envolvia acções de propaganda para cada cidadão que estivesse contra a proposta telefonar ao seu senador pronunciando-se contra. Sites que se mostraram a favor da lei, como o serviço de alojamento GoDaddy, começaram a sofrer perdas volumosas de clientes. A tal ponto que nem mesmo o Senado mantém a lista de 120 apoiantes disponível para não os prejudicar mais...
Essa lista inclui televisões, produtoras de cinema, editoras discográficas e de livros, famaceuticas (no ano passado o Google pagou-lhes uma indemnização de 500 milhões de dólares por exibir anúncios de farmácias canadianas online) e muitos outros. Pesos-pesados como ABC, CBS, Disney, EMI, Sony, Warner também lá aparecem.
Na lista contra estão 40 empresas, incluindo as acima referidas como peticionárias/prejudicadas e outros fenómenos que tornam a Internet visitável como CreativeCommons, FourSquare, Grooveshark, Huffington Post, OpenDNS, StackOverflow, Wikipedia...
Os serviços de cloud computing (que é the next big thing/o fim da humanidade) começaram a abandonar o país preferindo perder esse enorme mercado à possibilidade de ficarem fechados para o mundo.

Os EUA com a mania de controlarem o mundo arriscam-se a perderem o pouco controlo que detinham.

Em Portugal não há empresas tecnológicas que justifiquem o esforço de pensar numa lei. A solução não passou por taxar quem disponibiliza, mas quem utiliza. Primeiro foram os tráfegos ilimitados que têm velocidade reduzida a partir dos x GigasBytes. Lembro-me de há uns anos estar em casa a fazer um download de 700 megas de software legal da minha faculdade a 3 km confiante no tráfego nacional ilimitado e me quererem cobrar como tráfego internacional. Se na altura fiquei indignado, mais indignado fico agora quando devido ao aumento na resolução e quantidade de fotografias, vídeos e sotware, posso fazer download de centenas de GigaBytes por semana de conteúdo perfeitamente legal e ser penalizado por isso.
A proposta de lei que temos é hilariante. A solução para evitar que as pessoas façam downloads ilegais é tornar os discos mais caros, com taxas de 2 a 6 cêntimos por Giga.
Vamos ver um exemplo prático de como funciona.
Tipo de discoTaxa por GigaPreço numa grande cadeia em PortugalPreço nessa mesma cadeia em EspanhaMesmo disco numa grande loja onlineCom a taxa aumentará para
>150GB2 cêntimos99,99€99,90€88,50€109,99€
>1TB+0,5 cêntimos139,90€acima de 209,90€144€184,90€
Discos multimédia5 cêntimos149,90€189,90€131.30€199,90€
Pens USB e cartões de memória6 cêntimos44,99€34,90€27,90€45,95€

Já não existem discos com menos de 150GB...
Foram usados exemplos de marcas internacionalmente conhecidas e com grande presença no mercado
Exemplo para >150GB
Western Digital My Passport Essential 3.0 500GB 2.5’’
Exemplo para >1TB
Iomega Prestige Super Speed USB 3.0 2TB - 3,5''
(na loja espanhola não é comercializado pelo que o preço indicado é o de 1,5TB)
Exemplo de Disco Multimédia
LaCie LaCinema PlayHD 1TB
Exemplo cartão de memória
Sandisk SDHC 16GB (Portugal e online a 30MB/s, Espanha 15MB/s)
Os novos preços são arredondados para 1000GB por TeraByte. Na perspectiva do Governo serão 1024, na perspectiva do consumidor 931...


Pelos exemplos podem ver que alguns produtos compensa encomendar, mas nem nos podemos queixar muito dos preços cá praticados. Com a nova taxa quase compensará fazer a viagem de propósito para comprar o disco.

Há alguns pontos que é importante referir.

1) Quando se contrata um artista paga-se não só a quem dá o seu espectáculo como às entidades oficiais que o “representam”. Quando se reproduz publicamente material gravado como músicas ou filmes (legalmente comprado) é preciso pagar taxas. O artista por sua vez para estar protegido tem de pagar ao IGAC. Esse dinheiro todo alguma vez é usado para apoiar o artista? Como em tudo o que se faz em Portugal, se divulgassem em que gastam o dinheiro as pessoas não se importavam de pagar. Assim parece ser apenas mais um sorvedouro de dinheiro dos pobres que não será usado para melhorar as ajudas aos artistas, mas para compensar algum corte que lhes venham a fazer devido à crise.

2) O nome da lei é “Cópia Privada”? A sério? Conhecem esse direito, o de fazer cópias para uso privado? Para isso gasta-se Gigas e é isso que estão a taxar. Ou se faz um backup e se paga espaço mais imposto, ou se corre o risco de ter de comprar um novo e pagar a totalidade. Se essa taxa incluir uma garantia de acesso ao conteúdo digitalmente até seria interessante, mas de certeza que não pensam nisso.

3) Andei a procurar um servidor virtual dedicado online. Em Portugal a melhor oferta era cerca de 20€/mês. Na Europa arranjei dois países mais ricos do que nós a oferecerem computadores melhores, com mais memória, mais processador e mais disco a 12€. Aplicando uma taxa sobre os discos as empresas nacionais não têm hipóteses de fazer face à concorrência externa. Fogem os sites, fogem impostos (neste exemplo ganham 2€ uma vez, só em IVA perdem 2€ mensais durante anos), a velocidade para o consumidor fica mais lenta, por isso ocupa a net mais tempo o que torna os sites nacionais também mais lentos.

4) As medidas do governo de combate à crise são simplesmente aumento de impostos para reduzir o consumo e a vontade de trabalhar. Os comentários online relativos a esta notícia resumem-se a versões de “já que estou a pagar uma taxa pelos downloads, estou autorizado a fazê-los”. Quando paga o justo pelo pecador, o justo pode-se tornar pecador. Tal como as prisões são criticadas por tornarem o pequeno delinquente num criminoso profissional, também aqui se nota que ao acusarem todos de fazerem downloads, apelam à generalização dos mesmos.
Conheço professores que combinam a faceta de informático com a de artista e que dão aulas de ética aos alunos de dez anos sobre o que podem ou não fazer na Internet. Se a educação cívica tiver qualidade, se o mercado legal tiver a oferta que se deseja quando se deseja e a preços decentes e se as pessoas tiverem dinheiro para gastar, tudo acontecerá da forma correcta. Novamente, o caminho mais fácil não resolve o problema de base.

5) As referências a artistas neste texto por vezes têm aspas. Isso porque não se sabe bem como serão distribuídas as taxas a pagar. Neste momento estou a editar o video dos TCN com 8GB. Foi filmado com uma câmara que comprei, gravado num cartão que comprei, sobre um tripé que comprei, usando electricidade que pagarei no final do mês. Para cobrir esse evento fiz uma viagem que paguei do meu bolso com portagens, gasolina, estacionamento, refeição...
Estou a usar um computador que não permite a instalação de software ilegal e uso software gratuito para o editar. Fiz uma cópia para o disco desse mesmo computador e após terminar a edição será colocado no YouTube. Como qualquer cineasta não tenciono deitar fora o material original, pelo que esses 8Gb não são reutilizáveis, estão perdidos para este filme. No futuro estaria a pagar 16 cêntimos pelo direito de ter um video meu guardado. Pode não ser nada, mas comecem a pensar em jornalistas ou cineastas que façam horas diariamente de captação de imagem. Ou mesmo a pessoa normal que guarda cada video das férias, de casamentos, aniversários... Diziam que o digital era o futuro, mas não oferecem condições para que seja uma alternativa. Especialmente nas altas resoluções. Claro que como autor poderia exigir a minha parte desse dinheiro, mas teria de pagar para ser o seu dono ao olhos da lei. Só a SPA exige 150€ de inscrição... Certamente há quem ache que compensa pois já tem 25000 sócios, mas atravessamos uma era conhecida como web 2.0, em que todos têm direito à sua opinião e ferramentas para a publicarem em audio, video ou como bem entenderem. Todos nós somos autores.
Poderia fazer algum dinheiro à custa do video no Youtube, mas por causa da SOPA as margens de lucro do YouTube serão drasticamente reduzidas e quem fica a perder são as pequenos autores dos videos que verão a sua fatia da receita encurtada.



Essa taxa já é paga nos DVDs virgens, mas devido à menor capacidade não se sente tanto. Esse caminho não incomodava muito os “autores” porque como os downloads demoravam, a solução era a gravação directa entre “piratas”. Taxando os DVDs, todos pagavam e existiam provas de quem tinha material ilegal. A solução encontrada por quem faz pirataria, foi não gastar um DVD com um filme. Basta mantê-lo no disco até o ver, para em seguida deitar fora. Agora com a internet rápida um download de 4,5GB fica feito em horas, uma pessoa vê e apaga deixando provas residuais. Isso não agradava e por isso a solução foi taxar os discos.
Em tempos tentaram limitar a pirataria tornando os cds de música/filmes/software impossíveis de copiar. Falharam. Tentaram cortar no tráfego estrangeiro. Falharam. Tentaram bloquear sites nacionais. Falharam. Tentaram quase tudo e falharam sempre, porque a informação sempre encontrou uma nova forma de circular. Cada vez mais rápida e até mais gente porque em cada obstáculo aprendemos a saltar mais alto. Nem cá, nem lá uma lei contra algo específico poderá impedir que se faça legal com o mesmo resultado.

Para começar sugiro que o firmware dos discos indique uma capacidade abaixo dos 150 GB para escaparem ao imposto. Algumas camadas RAID resolvem isso num instante e são facilmente reversíveis. Porque a alternativa é comprar lá fora o que será mais uma facada na nossa frágil economia.

Quanto aos artistas terão de se adaptar a estes novos tempos. A SPA que aposte na divulgação do produto nacional (e na sua qualidade). Tantos novos talentos que surgem online conseguiram o seu lugar nas editoras, não vejo porque não podem os outros fazer o mesmo. Ninguém gosta de ver o seu trabalho copiado ou roubado, mas ainda nada supera a sensação de desfolhar um livro físico, de ouvir música ao vivo, de ver um filme em sala. Os outros formatos não podem ser vistos como uma fonte de lucro, mas como uma forma de promoção. A Internet é invencível. Como não a podem vencer, usem-na em vosso proveito.




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