Crítica: Sinfonia da Necrópole
Cinema

Crítica: Sinfonia da Necrópole


?O cemitério tem essa coisa meio delicada por lidar com crenças e com o desconhecido. Eu queria quebrar essa imagem solene que vem à cabeça das pessoas quando pensam nesse local. Escolhi o musical para romper com isso. Achei que seria uma maneira mais lúdica de fazer o espectador aceitar que aquilo era uma ficção e entrar nessa história. O mesmo vale para o uso da comédia?, explica a diretora.

Por Fabricio Duque

Um dos gêneros cinematográficos mais desafiadores é, sem sombras de dúvidas, o inclassificável, por se utilizar de hibridismos narrativos que ?quebram? percepções e ?zonas de conforto? do espectador. A diretora Juliana Rojas (de ?Trabalhar Cansa?) vem se tornando mestre neste campo. Em seu mais recente longa-metragem, ?Sinfonia da Necrópole? (inspirado em um trabalho alemão chamado Berlim: Sinfonia de Uma Metrópole; e exibido como média-metragem na TV Cultura), ?junta? mais uma vez parceria com Marco Dutra (de ?Quando Eu Era Vivo? e codiretor de ?Trabalhar Cansa?) e se ?aventura? na comédia musical ?abrasileirada? (e tom amador), com estrutura cifrada e ritmada de Chico Buarque (e sua ?Ópera do Malandro?, por exemplo), meio Marcelo Jeneci, com referências ao cinema de Jacques Demy e Alain Resnais, mas conservando seu resultado único, particular, próprio e ímpar. A ambiência temática é o cemitério e suas características intrínsecas, e ao dialogar o lado ?mórbido? com o realismo fantástico, o roteiro é desconstruído a fim de ?ganhar? liberdade, estranheza proposital e ?debochar?, de forma ingênua, o universo das necrópoles e seus coveiros. A trama aborda a ?incompatibilidade? profissional de um ?aprendiz de coveiro?, que desmaia ao imaginar a ?pré-morte? de mortos, ?moradores? do cemitério do Araçá, em Minas Gerais. A ideia inicial ?nasceu? por uma idiossincrasia da diretora, que ?adora visitar cemitérios até mesmo quando viaja? e pela história contada de sua mãe. ?Ela me disse que o cemitério da cidade não tinha mais espaço para enterrar as pessoas. Até então, eu nunca tinha pensado nisso, mas claro que os cemitérios têm de acompanhar o crescimento das cidades. E como acontece em qualquer processo de reurbanização, a tendência é que se destrua e memória e que os prejudicados sejam os mais pobres?, disse Juliana. O gênero musical foi escolhido para ?para quebrar a imagem da tristeza e dar leveza ao filme?, mas o objetivo era que ?os atores cantassem como humanos e não como na Broadway?. ?Sinfonia da Necrópole? conduz o espectador aos poucos. Contemplativo no início, o filme cria ?cadência? narrativa como um simples desfile de carnaval, mitigando excessos, clichês e glamour, tanto que o cenário é a necrópole e o figurino praticamente o mesmo, com exceção da ?nova? funcionária da Administração (a atriz Luciana Paes) que mais parece um personagem de Pedro Almodóvar. ?Se aprender bem o ofício, ele deixa de ser um sacrifício?, diz-se. Não, esse não era o ?ofício? de Deodato (o ator Eduardo Gomes, de ?Pinta?), o protagonista. ?Ser coveiro é um trabalho de sorte?, ?defunto patrão?, ?hóstia não abençoada ainda? como ?aperitivo?, ?Necrópole é o espelho da cidade ? precisa verticalizar para otimizar?, ?Melhor deixar saudade que alívio?, óbitos narrados, ?A pessoa é para o que morre?, ?Fez dieta em vão?, cemitério metafísico ? meio ?Thriller? de Michael Jackson, ?jazigos remanejados?, a chuva como sinfonia musical, a produtora Sara Silveira cantando em um karaokê, ?eles sozinhos e errados?, o ?cliente hipocondríaco?, ?Isso não é da nossa ossada?, sonhos reveladores de ?respostas? ?pedidos?, tudo se equilibra com a própria ?disritmia? e ?química satírica? de seus atores, daí o adjetivo inclassificável, por mais que se ?tente?, a ?bagunça? se instaura. E é aí que sua maestria vive. Nos pequenos instantes, na música que traduz estágios sôfregos e sentimentais, e no próprio amadorismo desejado. Concluindo, um filme que merece atenção total de seu público. Exibido no Paulínia Film Festival e no Festival de Gramado 2014.



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