Cinema
Crítica: Sob a Pele
Por Fabricio Duque
Poucos filmes conseguem a proeza de anestesiar o espectador após os créditos finais, criando a sensação de ?imunidade? individual ao mundo externo, principalmente ao comportamento social dos seres humanos. Assim, quem assiste consegue rememorar em tempo estendido o que viu, buscando metáforas e referências com a realidade cotidiana. ?Sob a Pele?, de Jonathan Glazer (de ?Sexy Beast?, ?Reencarnação?) é um desses filmes. Há cinema na sua forma mais pura. Experimenta-se ângulos, cortes, fotografia, estilos, narrativas, sons, barulhos e silêncios preferindo a imagem visual em si como material bruto, permitindo que a naturalidade total de personificar no moderno um futurismo existencialista, surrealista e de poesia concretista "ganhe" uma plena experiência sinestésica. As sutis hipérboles exploram a epifânia lisérgica. Inicialmente podemos referenciar a Stanley Kubrick e seu ?2001? (a fotografia branco-total e da retina à vida); a Leos Carax e seu ?Holy Motors?; a Win Wenders e ?Asas do Desejo?; a David Cronenberg e ?Videodrome?; e até Karim Aïnouz e seu recente ?Praia do Futuro?. O roteiro, baseado na novela homônima de Michel Faber, ?intima? o espectador a ser um cúmplice da observação ("emprestando" sensações) e mistura atmosfera Abbas Kiarostami (em ?Gosto de Cereja?) com Nicolas Winding Refn (em ?Drive?), mas nada disso é explícito, apenas inferências cinematográficas. Nós somos ?conduzidos? ao universo estranho de uma mulher (e motoqueiros). Aos poucos, detectamos que ela não sente frio, não come, não sente medo e que leva homens ?tarados? à água. Logo, uma alienígena (interpretada por Scarlett Johansson, excelente e nua). Entendemos que chega a Terra e que começa a percorrer estradas desertas, shopping centers e paisagens vazias em busca de presas humanas de ?lugar nenhum?, oferecendo sua beleza estonteante e paralisante (como a de uma sereia) e sua sexualidade latente e intrínseca ao instinto do ser humano. Com a procura da ?vítima perfeita?, a ?ET? conversa com pessoas, extraindo particularidades e descobrindo histórias únicas que ajudam a moldar o começo de sua própria humanidade, parecendo uma "ficção-documentário-ficção". Ela então muda o foco. Projeta o sonho em sua loucura de se permitir o conhecimento. Procura então a beleza interna, o ?homem elefante?, a essência sob a pele. Há crítica ao sexo quando estimulado pela beleza, permeando o contexto com elipses e cortes rápidos, quase videoclipes como ?piscadas?, e com trilha sonora de ruídos como sons distorcidos de robôs. A insensibilidade a salvava. Quando ?sente? a vulnerabilidade humana, vivencia o medo, a torta de chocolate, o sexo, a solidão, a melancolia, o tratamento como objeto sexual, a violência, o preconceito e o extermínio. Outra crítica pulula nos questionamentos finais de quem assiste: nós temos salvação? É melhor estar ?livre? das ?regras? humanas como a moralidade, por exemplo? Ou "resgatar" a criança indefesa? ?Sob a Pele? é um filme filosófico. Não para ser explicado e ou totalmente entendido. E sim para degustá-lo. Lê-lo. Frame por frame. Cada parte simboliza uma ?beleza? visual de construção cinematográfica. Um longa-metragem para ser ?agraciado? com Scarlett Johansson e como já foi dito por um cinema puro, que respeita a inteligência de quem assiste, sem a explicação totalitária. Aqui não há o óbvio, não há a estrutura convencional, não há gatilhos comuns, não há clichês e tampouco pretensão de se ?provar? que está fazendo um filme de arte. ?Sob a Pele? é simples, natural, impactante e o melhor, presenciar um cinema (não muito lotado) em silêncio absoluto, muitos com sacos de pipocas inteiros na saída do filme. Concluindo, obrigatório. Corra ao cinema mais próximo!
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