Especial Howard Hawks: Jejum de Amor (His Girl Friday, 1940)
Cinema

Especial Howard Hawks: Jejum de Amor (His Girl Friday, 1940)



O texto de Ben Hetchet e Charles MacArthur, The Front Page, já havia sido filmado em 1931, pelo pouco conhecido diretor Lewis Milestone. Sim, não pensem que é de hoje que Hollywood aposta em refazer historias. Porém, estamos falando de uma realização que foi parar nas mãos de Howard Hawks. Ousado e precursor como Hawks era, ele resolve retratar a historia da dupla, trazendo para as telas a obra intitulada His Girl Friday (no Brasil, com o titulo genérico de Jejum de Amor). Porém, na reimaginação de Hawks para a historia, haveria um pequeno detalhe que faria toda a diferença: o jornalista protagonista Hildy Johnson deixa de ser um homem e passa a ser uma mulher super a frente de seu tempo. Aposto que só por isso, Jejum de Amor tenha atraído às atenções e feito todo mundo esquecer o filme de 31. Afinal, Hawks além de talentoso realizador, tinha um tino cômico muito ácido e transforma a sóbria historia em uma engraçada e divertida guerra dos sexos que fornece um pano de fundo para o diretor desfiar uma crítica mordaz a sociedade americana do inicio da década de 40.

A trama de Jejum de Amor se passa toda em um dia na redação de um famoso jornal. O redator-chefe é Walter Burns (Cary Grant, olha ele aí de novo), um sujeito obstinado, pronto para arrancar uma noticia a qualquer custo. Nos momentos iniciais, a câmera do diretor explora os detalhes da redação, com pessoas neuróticas, gritando ao telefone, um verdadeiro caos. Essa rápida e catártica seqüência é importante para situar o clima imediatista que paira no ar, mas a historia começa mesmo quando a jornalista Hildy Johnson (Rosalind Russell) adentra pela redação. Hildy é ex-mulher de Walter e está ali para avisar ao ex-marido que está para se casar novamente e que pretende se demitir do jornal, pegar um trem e se mandar com o noivo para o sonhado american way of life. Essa primeira discussão divertida entre o ex-casal, de quase 10 minutos, deixa o espectador inebriado pelos personagens. Se no anterior O Paraíso Infernal, Grant toma conta da tela, em Jejum de Amor, desde seus primeiros minutos em cena, percebemos que o filme é da bela Rosalind Russell. A atriz tem uma vivacidade e carisma, aliados a um timing cômico impressionante, que faz o espectador grudar os olhos em cada momento seu.

Walter está metido com duas reportagens que vão abalar as estruturas da sociedade local. Em uma, ele tenta provar a inocência de um homem que está no corredor da morte; em outra, tenta desvendar um escândalo de corrupção que envolve o prefeito da cidade. Em meio à iminente demissão de sua principal repórter, o homem arma uma infinidade de esquemas para que a moça não consiga deixar o prédio. Apesar de Walter ter boas intenções em suas atitudes, ele também não irá se furtar em usar a ajuda de um capanga, com toda pinta de gangster, para realizar as peripécias que atrasarão a vida de Hildy. Atos desmedidos que envolvem dinheiro falso, abuso sexual, seqüestro, mas tudo feito com a melhor das intenções (dá até vontade de rir). O personagem de Grant é um pilantra de marca maior, mas também não deixa de cativar os nossos corações. O seu Walter Burns é estiloso e educado, daqueles sujeitos que ganham qualquer um com as palavras. Aliás, os duelos verbais entre Walter e Hildy são aonde residem os melhores momentos do filme, travados com uma velocidade alucinante.

Se Hildy, em um primeiro momento, apresenta-se retroativa em abordar os casos, à medida que as noticias vão surgindo, seu tino jornalístico acaba por assumir sua personalidade. Daí comprovamos o quanto a sua personagem era à frente do seu tempo. Hildy não tem problemas em dar fora e ser deselegante com os homens daquela redação (no contexto, ela acaba por parecer um deles), transformar seu noivo em um sujeito submisso ou mesmo desarmar um dos suspeitos de um dos casos em questão. Uma das críticas dessa brilhante obra de Hawks vem da moça, partindo sobre qual papel as mulheres deveriam ocupar em uma sociedade em aparente transição. O diretor também não poupa outros assuntos em voga, como a iminente guerra na Europa e o posicionamento americano (aonde alfineta Hitler varias vezes), e a desconfiança/patrulha sobre o avanço do comunismo nos EUA (o que de certa forma antecipa o macarthismo). A sua metralhadora verbal faz alça de mira para esses meandros político-sociais americanos. O mais louvável é perceber como ele trata tantos assuntos importantes em uma obra travestida de comédia. Esse Hawks era muito astuto. 

Jejum de Amor carrega alguns aspectos autorais reincidentes da filmografia de Hawks, como o tom cômico/romântico, mas de certa forma subvertido dentro do seu esquema. O caráter heróico é deixado de lado, na verdade, os personagens estão mais para anti-heróis involuntários. O tom teatral aqui também é bem evidente, mas competentemente inserido em todas as seqüências. Em nenhum momento parece que estamos diante de um palco, o diretor utiliza bem cada canto do cenário. Como quando esconde um homem dentro de uma escrivaninha (e que fica lá por um bom tempo), rendendo um dos plot points mais engraçado da trama. Além da química visceral entre Grant e Russell é importante salientar também as passagens na sala de imprensa, aonde ela convive com outros jornalistas. Para os olhos de hoje, os personagens parecem estereotipados ao extremo, mas são assim propositalmente. Hawks os mostra como profissionais cínicos, com vícios e olhares distanciados sobre a sociedade. Temos o beberrão, o viciado em pôquer, o fumante inveterado, o mulherengo, uma fauna rica em detalhes clichês que fazem toda a diferença para engrandecer a obra. Não tem jeito, Jejum de Amor é mais uma obra cinco estrelas dirigida por esse monstro chamado Howard Hawks, um realizador que não tinha papas na língua. 








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