Manual de sobrevivência para o Festival de Cannespor António Reis... 7. Chegada e partida Chegue sempre um dia antes para evitar as intermináveis filas para levantar o cartão. Fuja sempre antes do fim para escapar ao maremoto humano do desmontar da feira. O sábado final parece o Dia do Juízo Final. Com tempo pode apreciar e babar-se de inveja na marina com os iates estacionados, visitar o castelo e as ruas típicas do centro histórico e olhar as ilhas Lerins. Ou seja, fazer turismo. 8. Jornalistas Ser-se jornalista em Cannes é uma missão trabalhosa. Sessões às 8:30 da manhã, filas intermináveis para acesso, recolha de quilos de informação diariamente distribuída e a necessidade de calcorrear quilómetros diários entre os stands, as salas e os hotéis. Para os jornalistas a cor do cartão é determinante, porque é ela que vai decidir se tem entrada directa nas salas ou se tem de esperar que fiquem lugares vagos. Quem pensa que ser-se jornalista em Cannes é pavonear-se na croisette está completamente enganado. O tempo em que não se está na sala de cinema acaba por se reduzir drasticamente com a necessidade de envio de informação e de tratamento dos materiais. Ir às festas de glamour é objectivo inalcançável. Só os VIPs que não vão para trabalhar têm acesso a convite e a vida nocturna deslumbrante em que Cannes se celebrizou é apenas para a elite dos que se podem dar ao luxo de não trabalhar. Dicas: como nunca conseguirá o mágico cartão branco leve corrector para pintar o seu ou seja simpático e aceite o jornal Metro de Cannes que já vem em inglês e tem textos óptimos para copiar. Já tem o trabalho feito e até as conferências de imprensa. Se for apanhado utilize a desculpa daquela “jornalista” da Visão e diga que era uma versão de trabalho. 9. Revistas Fuja do stand do festival onde o merchandising é caro até dizer basta. Mais vale comprar as revistas de cinema que trazem t-shirts de graça e só se vendem em Cannes. Atenção que no ano passado a companhia aérea portuguesa fartou-se de ganhar dinheiro com o excesso de peso das bagagens. 10. Fauna Neste jardim antropológico existem espécies longe do risco de extinção. A começar pelos que pensam que embriaguez é um estado de espírito cannoise. Pior ainda é quando têm já muito treino de álcool e bebem e falam em simultâneo. Esqueça os seus conhecimentos, em Cannes ninguém conhece ninguém apesar de toda a gente se cumprimentar efusivamente. Os porteiros da noite merecem uma mirada pois manifestam semelhanças de peso com paquidermes, a beautiful people passeia-se a partir das dez da noite engarrafando o trânsito e a densidade de starlettes por metro quadrado é impressionante como impressionante é a leveza da roupa que as descobre. Seja discreto e evite chocar com as palmeiras e os candeeiros. Ao longo da croisette encontra-se de tudo para a fotografia: homens-estátua, sósias de personagens célebres, músicos rejeitados pela Operação Triunfo, e angariadores de assinaturas para causas perdidas. Os pedintes são indivíduos com estilo e limitam-se a deixar a caixa ou o boné enquanto vão á praia. Patinadores, joggers, ciclistas e reformados atrapalham-se na croisette. Quando estão grupos de mais de uma dúzia de pessoas já se sabe que são japoneses ou coreanos. 11. Penetras Desde que se tenha o mágico cartão de comprador (um investimento de 360 euros) é fácil ser-se penetra em Cannes. Sobretudo na Plage des Palmes, o lugar mais perto do paraíso que se possa imaginar. Mesmo sobre o Mediterrâneo, com gelados e bebidas oferecidas pela multinacional suíça que patrocina o certame, com hospedeiras escolhidas com rigorosos critérios estéticos e uma esplanada onde não faltam as célebres cadeiras Emmanuelle, nem é preciso ser-se penetra porque se pode entrar só com o cartão. Pode-se fazer convidado para as inúmeras recepções (no ano passado a do festival de São Petersburgo valeu por dois almoços), pode mesmo sobreviver a gelado, café e sumo. Virá elegante e bronzeado o que fará a inveja de todos os seus inimigos. 12. Manifs Não há abertura de festival que não tenha uma manif. Invariavelmente o sindicato dos artistas ou similar dependura um pano mesmo em frente da entrada. Invariavelmente a polícia e os bombeiros estão a postos para o retirar, o que dá sempre uma animação extra. A meio do festival, todos os anos, a nossa bem conhecida Troma organiza uma manifestação com todos os freaks que compõem o seu catálogo. É uma parada de monstruosidades que vão do Toxic Avenger ao Kabukiman, que de tão ridículo consegue ter graça. Para quem é frequentador de Cannes este manual já faz parte da rotina. Para os que não podem ir a Cannes este manual é apenas mais uma forma de provocar esse sentimento mesquinho que é a inveja. Mas para os que pensarem ir a Cannes estas doze dicas podem ser de garantida utilidade. |