Onde não há cinema
Cinema

Onde não há cinema


Por Bruno Yutaka Saito (Editor-assistente do caderno Ilustrada. Está no jornal Folha de S.Paulo desde 2001, com passagens pela Revista da Hora, Guia da Folha e TV Folha. Foi repórter de TV, música e comportamento jovem no jornal O Estado de S.Paulo entre 1999 e 2001.)
E-mail: [email protected]

O leitor Marcelo Henrique é fascinado por cinema. Ele mora em Ribeirão Preto, SP, e recentemente enviou um e-mail para o blog Ilustrada no Cinema contando como é difícil assistir a bons filmes morando numa cidade onde não há salas de cinema alternativo. Ele questiona: como manter o hábito ?de assistir a bons filmes??
Em São Paulo, capital, tudo é mais fácil, claro. Além do circuito normal, há, todos os dias uma boa mostra alternativa em cartaz. No entanto, tudo é relativo. Sempre haverá alguém insatisfeito. Volta e meia ouço alguém aqui na cidade reclamar: ?Nesta semana não tem nenhum filme legal em cartaz?. Ou então: ?Só estreia coisa ruim aqui?. É desaforo para leitores como o Marcelo. Comportamento natural do ser humano. Quando se entra em comparações, surgem frustrações. A programação de SP é boa comparada com a de Paris? E se for comparada com as cidades do interior do Brasil?
As coisas são menos drásticas desde pelo menos as invenções da televisão, do VHS, do DVD e da internet. Scorsese deve boa parte de seu conhecimento a noites sem dormir em que assistia a grandes clássicos que passavam na TV. O modo tradicional (ultrapassado?) de se ver cinema é uma experiência que depende, sim, do local onde se vive. Se antes ver filmes solitariamente era uma opção, hoje é a única alternativa em muitos lugares.
Retornei de férias. Passei em dois extremos: Lins (SP), cidade com 73.183 habitantes, e Paris (França). Numa das últimas vezes em que fui a Lins, havia um único cinema, anexo de um grande supermercado. Passava ?A Paixão de Cristo?. Desta vez, não havia mais cinema. Meus tios me contam que não havia público, que o ingresso era muito caro. Os que gostam de cinema preferem alugar DVDs. No final das contas, é a grande crise do cinema mundo afora.
Soa saudosista falar assim, mas vale lembrar que cinema não é apenas o filme que está na tela. É o filme da vida real que já começa quando você se arruma em casa para ir à sala de projeção. É o burburinho na fila. É encontrar aqueles amigos que você não vê há tempos, oportunidade para colocar a conversa em dia. É a troca de ideias após a projeção. É o sentimento de pertencer a algo coletivo, quando se ouve as pessoas rindo ou lágrimas contidas da pessoa ao lado. É quando você, mesmo morando numa cidade grande, sente-se parte de uma vila.
Por mais que eu tenha me bodeado de ter perdido a sessão das 7 de ?Vincere? no Cinesesc (era uma fila quilométrica, como eu não via há tempos), não me incomodo. A vontade de fazer parte de algo coletivo é algo que compartilho com as pessoas que estavam nessa fila.
Paris é o oposto de Lins, sabemos. Em cada esquina, há uma sala de cinema. A existência de sala em uma cidade, diversidade na programação etc. é apenas uma grande metonímia. Sem preconceitos. Mas diz muito sobre a economia de uma região.
Ver filmes sozinho no computador é como viajar sozinho. É melhor do que não ir, mas depois de um tempo, a experiência fica meio vazia.
Texto publicado no blog Ilustrada no Cinema em 26/07/2010.



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