Em 1984, comecei a participar do Cineclube da GV. A partir daí, minha vida sempre esteve ligada aos filmes. Participei da criação dos cineclubes Oscarito e Veneza, da restauração do Vitrine, da implantação da Sala Cinemateca. Mas meu sonho sempre foi o Belas Artes. A oportunidade surgiu no final de 2002, quando soube que o cinema fecharia suas portas. Procurei o dono e propus uma parceria. Ele pensava em sair da atividade, mas me deu tempo para conseguir parceiros. Foi quando meus amigos Andréa Barata Ribeiro, Fernando Meirelles e Paulo Morelli entraram na aventura e conseguiram trazer um importante patrocínio para fazermos as reformas necessárias. Nesses oito anos, foram muitas histórias divertidas e emocionantes. E a alegria de ver o antigo cinema vivo e ativo. O "Noitão" virou um hit, com suas sessões lotadas varando a madrugada. Tivemos o cineclube e os filmes em cartaz por muito tempo.
Em março passado, nosso patrocinador avisou que não renovaria o contrato. Em maio, anunciei à imprensa a necessidade de um patrocínio, pois as contas não fechavam. Começaram então as manifestações de apoio. Na imprensa, na internet, no cinema, pessoas querendo ajudar. Uma fã criou um blog que em poucos dias tinha mais de mil pessoas inscritas. O "La Casserole" liderou, junto a outros excelentes restaurantes da cidade, a campanha "Tudo pode dar certo". Um grupo de frequentadores e alguns funcionários criaram um abaixo-assinado. Numa tarde, tomando café com uma amiga, notei uma senhora que convidava as pessoas a assinar. Então ela se virou para nós e perguntou, muito severa: "Jovens, vocês já assinaram?". Fiquei sem graça de dizer quem eu era e de perguntar o nome dela, mas fica aqui meu muito obrigado a essa senhora e a todos os que colocaram seus nomes no abaixo-assinado.
Em dezembro, quando finalmente tudo estava acertado com o novo patrocinador, fui informado pelo proprietário de que ele queria o imóvel de volta. Foi duro, depois de tanto esforço com o novo patrocínio, ver tudo perdido. E imaginar o Belas Artes fechado.
No início de janeiro, tive um dos dias mais tristes da vida quando comuniquei aos funcionários que o cinema fecharia. Decidi fazer naquele mês uma celebração do "espírito" Belas Artes, e não um funeral. No dia 6, a Folha fez a primeira matéria sobre o fechamento. Foi um "tsunami". Toda a mídia passou a falar do assunto. Foi o tema mais citado no Twitter por dois dias. Houve passeatas e mais abaixo-assinados, além de uma mobilização popular como eu nunca havia visto por um tema cultural. Em poucos dias, vimos o seguinte cenário: o prefeito, vereadores, entidades, pessoas e empresas ligando para saber como ajudar, o Compresp votando estudo para o tombamento do imóvel onde o cinema está e mais de 70 mil pessoas no Facebook em defesa do cinema.
Eu sabia que o Belas Artes era querido, mas esse apoio foi muito além do que eu poderia imaginar. É um local não apenas com um passado importante mas com um presente vivo e pulsante. Por isso decidimos manter o cinema aberto até o limite, na data de hoje. Teremos as últimas sessões nesta noite. Esperamos todos os amigos e apoiadores. Gostaria de agradecer a todos que tanto ajudaram.
Fecharemos as portas, mas não o cinema. Se o tombamento for aprovado e o proprietário nos procurar, reabriremos o cinema em seu endereço tradicional. Se não, o Belas Artes renascerá em outro endereço para os amantes do bom cinema. O Belas Artes não morre hoje!"
Texto do Caderno Opinião - Folha de S. Paulo, Quinta-feira, 17 de março de 2011.