Sabe que eu até me surpreendi com esse filme? Mesmo com Cher, Stanley Tucci e Eric Dane no elenco eu esperava pouquíssimo dele. Musical é um gênero arriscado. Tendo em vista que nem Meryl, Julie Walters, Christine Baranski, Colin Firth e Pierce Brosnan conseguiram salvar Mamma Mia, então eu temia mesmo pelo pior. Ainda mais com Christina Aguilera de protagonista, que revelou não ser de todo mal. Acredito que foi um dos melhores musicais recentes. Longe de Chicago e Hairspray, mas é digerível. E, graças aos céus, não copiou
Glee. No cartaz logo lemos: Precisa-se de uma lenda (Cher) para se criar uma estrela (Christina). Mas na história, a Cher passa longe de ser uma estrela. E mesmo na real, a Christina virou estrela sem precisar dela. Enfim. Vai entender esses publicitários.
A história é a mais antiga do mundo. Maria da Graça, digo, Ali, é a menina pobre do interior do Iowa que tem o sonho de ser estrela. Perdeu a mãe criança, e quando adulta larga tudo e vai pra Los Angeles em busca da sua Lua de Cristal. Perdão, do seu sonho. E logo de cara, sem nem comer um pedacinho do pão-que-o-diabo-amassou, encontra esse lugar chamado Burlesque, que é gerido por Tess, a Cher, e seu melhor amigo, uma coroa maricona, feito pelo Stanley Tucci, que pelo jeito tá se especializando nesse tipo de papel.
Lá ela se encaixa logo como garçonete, mas o sonho dela é ser uma das dançarinas, todas com nome de travesti, como CoCo, Nikki, Scarlett, e um nome como Ali cai como uma luva no grupinho. Resumindo bem o enredo da história, imagine o que aconteceu com Tieta depois de ser expulsa de Santana do Agreste até o seu retorno triunfal, bem “diva”. Eis Burlesque.
Tem um mestre cerimônias mal-aproveitado, um papel que deu um Oscar a Joel Grey em
Cabaré. Tem a disputa entre Christina e Kristen Bell, a loira wanna-be e a morena estrela. Roxie e Velma? O clube é um tipo de
Moulin Rouge que encanta o ingênuo e romântico Ewan McGregor, mas é a cara dos números musicais de
Chicago e Nine (é superior a
Nine, confesso). Então não sei bem definir ao certo se é cópia, homenagem ou citações a todos esses filmes. Só sei que nada nele é original.
A Christina se sai bem nas suas limitações, mas fica evidente que ela não é ideal pro papel. Ela é uma coisa mirrada, franzina e chega a ser a menos interessante de todas no palco. Ela engrossa a voz nos agudos, como se cantasse com o fundo da garganta, o que eu gostava quando adolescente, mas hoje me irrita um pouco. E se a gente pensar em estrela de
Moulin Rouge e a colocássemos do lado de uma Nicole ou Catherine Zeta ela desapareceria, coitadinha. Ia parecer uma menina na puberdade com maquiagem da mãe. Roxie do filme
Chicago, por exemplo, é uma moça franzina que quer ser estrela, mas os números musicais são todos frutos da sua cabeça. Só no final ela vira estrela, mais pela curiosidade do público em vê-la, depois de ter sido presidiária, etc. Essa história dá para se acreditar.
O visual dela em geral não convence como moça do interior. Não há metamorfose. Aquela peruca ficou bem esquisita. Bem melhor que o cabelo normal dela, óbvio, mas ficou uma coisa de porcelana, meio princesa da Disney, meio pin-up. Ou seja, bem datada. Tão datada quanto esse tipo de ambiente Vaudeville, que é até forçar a barra querer que o público compre que isso existiria hoje na Sunset Boulevard. A não ser que haja lá um túnel do tempo que se entre e caia nesse lugar. Ver alguma delas passeando por aí seria como se deparar com um Amish (esses existem de verdade) nas ruas.
Mas essa odisséia de Tieta só dura até a metade, depois o filme perde o conflito e fica sem rumo. Vira uma colagem de videoclipes. Então engataram três novos enredos bem clichê, que quebram totalmente o ritmo e só transformam o filme em um drama-romance bem senso comum, que alonga demais a história. Acabam-se os números musicais (até a cena final, que copia o momento
“Come What May” de
Moulin Rouge) e colocam músicas ótimas pra tocar.
Forever Young do Alphaville,
Animal do Neon Trees,
More Than a Feeling do Boston,
Hot Stuff da Donna Summer,
Ray of Light da Madonna, etc. Mas elas destoam do resto da trilha do filme, parecendo mais que acabou a verba do compositor e colocaram hits conhecidos pra tapar buraco.
Aí vem a crise financeira da espelunca, digo, do clube, que pouco faz sentido. Christina bombando, saindo em capa de jornal e o espaço falindo? Tem o triângulo amoroso da Christina com o Cam Gigandet, um dos vampiros de
Crepúsculo, e o Eric Dane, o médico galinha de
Grey’s Anatomy Mark Sloan. Além de outros mini-plots como o lance da rival da Christina, que nunca chega a ameaçar de fato. Assim como ela, há vários personagens que não se desenvolvem na trama, nem servem para outra coisa além de decorar a tela. Acho que é isso que falta ao filme. Um vilão de verdade. Ou conflitos de interesses mais pulsantes, obstáculos.
Visualmente o filme é lindo e bem cuidado. Até demais, e em certos momentos até desnecessário. A fotografia fica perfeita para as cenas no palco, mas usam o efeito em toda cena, até nas externas, parecendo um catálogo de moda filmado, mas longe do resultado atingido por Direito de Amar. Muita meia-luz e sombras e uso da saturação. Sabe
Pleasantville? Aquele filme que ganhou o subtítulo de
A Vida em Preto e Branco? Então esse deveria ficar
Burlesque – A Vida na Penumbra.
As músicas seguem todas o mesmo perfil das de
Chicago, mas são todas fracas. Em
Chicago são todas ótimas. Aqui nenhuma é memorável, nem a final. Nisso Nine é superior. Tem pelo menos umas duas músicas legais. A melhor de longe é a da Cher, no seu momento Scarlet O’Hara, que suponho que tenha sido escrita pela Diane Warren. Kristen Bell tem uma voz irritante. Ainda bem que o número dela é todo entrecortado com outras cenas. Mas Christina é quem domina os momentos musicais.
No fim das contas o filme serve para a Cher matar sua vontade de fazer musicais, já que perdeu a oportunidade de fazer
Mamma Mia. Mas ela pelo menos fez algo superior. Christina teve seu momento de artista de cinema, e é até melhor do que o esperado, mas não é nada demais, por hora. Há cenas bem, mas bem amadoras. Ela deveria ter sido escalada num papel menor. Transição de carreira musical pra cinematográfica não é fácil. Todas as bem sucedidas começaram com papéis pequenos, é só ver, recentemente, Beyoncé, e a própria Cher. A mesma coisa que o Justin Timberlake tem feito.
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