Glitter – O Brilho de Uma Estrela
A história é a mais antiga do mundo. Maria da Graça, digo, Ali, é a menina pobre do interior do Iowa que tem o sonho de ser estrela. Perdeu a mãe criança, e quando adulta larga tudo e vai pra Los Angeles em busca da sua Lua de Cristal. Perdão, do seu sonho. E logo de cara, sem nem comer um pedacinho do pão-que-o-diabo-amassou, encontra esse lugar chamado Burlesque, que é gerido por Tess, a Cher, e seu melhor amigo, uma coroa maricona, feito pelo Stanley Tucci, que pelo jeito tá se especializando nesse tipo de papel.
Lá ela se encaixa logo como garçonete, mas o sonho dela é ser uma das dançarinas, todas com nome de travesti, como CoCo, Nikki, Scarlett, e um nome como Ali cai como uma luva no grupinho. Resumindo bem o enredo da história, imagine o que aconteceu com Tieta depois de ser expulsa de Santana do Agreste até o seu retorno triunfal, bem “diva”. Eis Burlesque.
Tem um mestre cerimônias mal-aproveitado, um papel que deu um Oscar a Joel Grey em Cabaré. Tem a disputa entre Christina e Kristen Bell, a loira wanna-be e a morena estrela. Roxie e Velma? O clube é um tipo de Moulin Rouge que encanta o ingênuo e romântico Ewan McGregor, mas é a cara dos números musicais de Chicago e Nine (é superior a Nine, confesso). Então não sei bem definir ao certo se é cópia, homenagem ou citações a todos esses filmes. Só sei que nada nele é original.
A Christina se sai bem nas suas limitações, mas fica evidente que ela não é ideal pro papel. Ela é uma coisa mirrada, franzina e chega a ser a menos interessante de todas no palco. Ela engrossa a voz nos agudos, como se cantasse com o fundo da garganta, o que eu gostava quando adolescente, mas hoje me irrita um pouco. E se a gente pensar em estrela de Moulin Rouge e a colocássemos do lado de uma Nicole ou Catherine Zeta ela desapareceria, coitadinha. Ia parecer uma menina na puberdade com maquiagem da mãe. Roxie do filme Chicago, por exemplo, é uma moça franzina que quer ser estrela, mas os números musicais são todos frutos da sua cabeça. Só no final ela vira estrela, mais pela curiosidade do público em vê-la, depois de ter sido presidiária, etc. Essa história dá para se acreditar.
O visual dela em geral não convence como moça do interior. Não há metamorfose. Aquela peruca ficou bem esquisita. Bem melhor que o cabelo normal dela, óbvio, mas ficou uma coisa de porcelana, meio princesa da Disney, meio pin-up. Ou seja, bem datada. Tão datada quanto esse tipo de ambiente Vaudeville, que é até forçar a barra querer que o público compre que isso existiria hoje na Sunset Boulevard. A não ser que haja lá um túnel do tempo que se entre e caia nesse lugar. Ver alguma delas passeando por aí seria como se deparar com um Amish (esses existem de verdade) nas ruas.
Mas essa odisséia de Tieta só dura até a metade, depois o filme perde o conflito e fica sem rumo. Vira uma colagem de videoclipes. Então engataram três novos enredos bem clichê, que quebram totalmente o ritmo e só transformam o filme em um drama-romance bem senso comum, que alonga demais a história. Acabam-se os números musicais (até a cena final, que copia o momento “Come What May” de Moulin Rouge) e colocam músicas ótimas pra tocar. Forever Young do Alphaville, Animal do Neon Trees, More Than a Feeling do Boston, Hot Stuff da Donna Summer, Ray of Light da Madonna, etc. Mas elas destoam do resto da trilha do filme, parecendo mais que acabou a verba do compositor e colocaram hits conhecidos pra tapar buraco.
Aí vem a crise financeira da espelunca, digo, do clube, que pouco faz sentido. Christina bombando, saindo em capa de jornal e o espaço falindo? Tem o triângulo amoroso da Christina com o Cam Gigandet, um dos vampiros de Crepúsculo, e o Eric Dane, o médico galinha de Grey’s Anatomy Mark Sloan. Além de outros mini-plots como o lance da rival da Christina, que nunca chega a ameaçar de fato. Assim como ela, há vários personagens que não se desenvolvem na trama, nem servem para outra coisa além de decorar a tela. Acho que é isso que falta ao filme. Um vilão de verdade. Ou conflitos de interesses mais pulsantes, obstáculos.
Visualmente o filme é lindo e bem cuidado. Até demais, e em certos momentos até desnecessário. A fotografia fica perfeita para as cenas no palco, mas usam o efeito em toda cena, até nas externas, parecendo um catálogo de moda filmado, mas longe do resultado atingido por Direito de Amar. Muita meia-luz e sombras e uso da saturação. Sabe Pleasantville? Aquele filme que ganhou o subtítulo de A Vida em Preto e Branco? Então esse deveria ficar Burlesque – A Vida na Penumbra.
As músicas seguem todas o mesmo perfil das de Chicago, mas são todas fracas. Em Chicago são todas ótimas. Aqui nenhuma é memorável, nem a final. Nisso Nine é superior. Tem pelo menos umas duas músicas legais. A melhor de longe é a da Cher, no seu momento Scarlet O’Hara, que suponho que tenha sido escrita pela Diane Warren. Kristen Bell tem uma voz irritante. Ainda bem que o número dela é todo entrecortado com outras cenas. Mas Christina é quem domina os momentos musicais.
No fim das contas o filme serve para a Cher matar sua vontade de fazer musicais, já que perdeu a oportunidade de fazer Mamma Mia. Mas ela pelo menos fez algo superior. Christina teve seu momento de artista de cinema, e é até melhor do que o esperado, mas não é nada demais, por hora. Há cenas bem, mas bem amadoras. Ela deveria ter sido escalada num papel menor. Transição de carreira musical pra cinematográfica não é fácil. Todas as bem sucedidas começaram com papéis pequenos, é só ver, recentemente, Beyoncé, e a própria Cher. A mesma coisa que o Justin Timberlake tem feito.