Por Afonso Lima
(Historiador, mestre em filosofia pela PUCRS e escritor)
Fotos: Cesar Ogata/Secom/PMSP
Em
2011, o cinema Belas Artes, de quase setenta anos, fechou as portas por não
poder pagar um aluguel de 120 mil reais por mês. Estava sem patrocinadores.
Foram
três anos de audiências, coleta de assinaturas, manifestações (umas com cem,
outras com cinco pessoas), procura de apoios políticos e, principalmente,
incontáveis vezes levando informações que faltavam ao grande público, por
exemplo: "como anda o caso?" O exemplo mais dramático, para mim, foi
uma audiência na Assembleia Legislativa de São Paulo quando compareceram dois
vereadores, um deputado, e apenas eu e mais quatro pessoas do movimento. Pois
é, essa cidade, sem espaço público, desencontra.
Várias
são as questões que surgiram. Em primeiro lugar, o espaço público, seu
planejamento, sua qualidade. As forças conservadoras diziam que as coisas são
assim, o mercado determina tudo; é a lógica do ?deixa rolar?, uma questão
?comercial?. Um secretário afirmou que ?agora cinema é em shopping?. As
pessoas, isoladas, dentro do apartamento, adoecem, as ruas ficam desertas e
violentas.
Obviamente,
a questão do patrimônio cultural é a primeira que nos vem à mente. Que valores,
modos de vida, que história e identidade queremos preservar. Além disso, a
questão de que temos algo que funciona bem, tem um impacto enorme na vida da
população e educa/educou várias gerações, algo que sofre com efeitos da
valorização do mercado, de modo que precisamos de um gestor público que saiba
olhar o caso e pensá-lo. Esse gestor está ausente ou servindo a outros
interesses. Com mil explicações, nada podia ser feito. Assustava-me a sensação
dos paulistanos de que sempre perdiam.
Uma
das coisas mais interessantes a ser analisada aqui é o papel da imprensa.
Contamos com o apoio de valorosos jornalistas empenhados em avançar na
discussão, mas é óbvio que muitas vezes o impacto de notícias como ?tombamento
não resolve? e ?para reabrir o Belas Artes temos que aumentar o IPTU?, causavam
muito mais a sensação de que nada pode ser feito porque nunca foi feito. Outras
opções sumiam de vista.
A
questão principal ? a resolução desse problema como quer a população ? pareceu
muitas vezes soterrada por um fatalismo que simplificou as questões, causando
desânimo e a sensação de que ?não adianta mais?. Um exemplo disso é a opção do
tombamento, que consta na Constituição como um dos meios de se preservar o
patrimônio. A discussão sobre o tombamento é longa, exaustiva. Fomos falando
com diversos especialistas e percebemos que não há consenso (tomba-se o prédio,
não o uso; neste caso, um passo apenas). Mas existe pelo menos um debate (o DPH
foi a favor do tombamento por motivos históricos). Esse debate foi encerrado cedo
demais.
Outra
coisa que me surpreendeu bastante foi a incapacidade de resolvermos problemas
atuais, nossa tendência a nos afundarmos em discussões escolásticas. A
impossibilidade de criarmos conceitos complexos para questões complexas. Cada
especialista explicava por que não se poderia fazer nada, mas nunca como se
poderia fazer algo. O conceito está correto em si, mas no contexto torna-se
omissão.
Precisamos
repensar urgentemente os conceitos sobre o patrimônio ? tudo que o cine Belas
Artes significa como memória e cultura viva não podia ser incluído no conceito
de patrimônio imaterial para alguns, pois esse seria apenas práticas e não
locais; os donos dos prédios tombados preferem deixar que apodreçam a terem que
cuidar deles; desapropriação é um palavrão na democracia dos indivíduos
solitários (o relatório final da CPI na Câmara foi a favor da desapropriação, a
Câmara engavetou). O Conpresp, por exemplo, usou a desculpa de que o melhor
seria desapropriar para evitar uma proteção ao imóvel, o que, na prática,
acabaria levando ao uso por uma loja ou à demolição. Por outro lado, a
Prefeitura dizia que cabia ao Conpresp tombar e, desse modo, também não fazia
nada. O Condephaat tombou a fachada (o que evitou que uma loja surgisse ali) e
queria destombar. Mudemos os conceitos se eles atrapalham a vida!
A
questão mais séria diz respeito à representatividade da suposta democracia.
Existem órgãos, representantes e leis, mas o cidadão comum está alienado do
poder. Isso explica as manifestações de junho, entre outros fatores. Por sorte
esse movimento de concentração tem brechas, políticos abertos, como estes que
acabaram intermediando a questão.
Mas o que sentimos o tempo todo é que
existem modos de atuar que pensam a cidade em nome dos grandes proprietários
individuais - se o mercado imobiliário fala, em geral os políticos, por
exemplo, os vereadores "patrocinados" por doações de campanha, abaixam
a cabeça (enquanto se ouve que a gestão Kassab gastou 605 milhões em projetos e
consultorias). Isso gera a sensação de estarmos perdidos em uma cidade
governada por forças ocultas, de isolamento, e, claro, a sensação de que tudo é
inútil, de que tanto faz votar ou não. Ou seja, mais abandono.
O
Movimento pelo Cine Belas artes participou de reuniões com o secretário Juca
Ferreira, que ouviu, dentre várias sugestões a de buscar patrocínio estatal; o
cinema, após muita luta e percalços de todo tipo, vai ser reaberto com apoio da
Caixa Econômica Federal. Agora, o que ficou provado é que uma boa ideia e
paciência podem ter efeito. Cinco ou seis malucos persistentes, em sintonia com
milhares, podem mudar paradigmas. É possível pensar junto, e foi uma bela
trajetória: contamos com apoios de todas as ordens, políticos, promotores,
acadêmicos, jornalistas, artistas, pessoas comuns que mandaram seus e-mails ao
Conpresp e apoiaram no Facebook, atraindo olhares. Estamos em processo de
construir uma democracia. Vamos fazer uma cidade boa para todos.
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