Cinema
Crítica: Amador [2013]
Por Fabricio Duque
?Amador? é um estudo adjetivado da arte cinematográfica, utilizando a metalinguagem a fim de dissecar os elementos fílmicos e as dúvidas existenciais inerentes ao processo de criação. O novo filme do diretor Cristiano Burlan (de ?Mataram Meu Irmão? e ?O Homem da Cabine?) analisa a estrutura diletante, desafiadora e mágica da procura de um rosto para o filme de seu personagem alter-ego. Filosofa-se entre o documentário e a ficção, buscando a naturalidade simples da não interpretação e expondo o mais intrínseco do próprio ser. Assim, o protagonista embarca na ?aventura? pretensiosa da perfeição visual, experimentando narrativas interativas (a Nietzsche, Clarice Lispector, Sam Shepard, entre outras), que referenciam a outros cineastas (Robert Bresson, Henri-Georges Clouzot, Rogério Sganzerla, Glauber Rocha, Tomás Gutiérrez Alea e ao próprio filme de Burlan o ?Homem da Cabine? ? documentário sobre o projecionista Claudemir Santos e a imagem que é refletida no chão vinda da sala de exibição); a outras ideias e ensinamentos (com entrevistas ao teórico do cinema Jean-Claude Bernardet ? também ator em ?O Homem das Multidões?, de Marcelo Gomes e ?Periscópio?, de Kiko Goifman); tentando planos, luzes e câmeras 8mm para manipular o espectador entre a verdade que se apresenta em tela (estilo Eduardo Coutinho) e a representação do conteúdo abordado.
É amador porque ama intensamente seu trabalho, explorando possibilidades de se filmar, e vivenciando o medo quase covarde da quase desistência, assim como a pressa dos produtores ? que incomoda e poda a criatividade inspirada. Não há tempo para construção. E é por esse caminho que o longa-metragem percorre. Mostrando elipses do processo: o teste de escolha do elenco (ora em árabe, ora tendo pai-nosso em aramaico - aprendido no monastério, ora declamando Fernando Pessoa, ora com música ?The movie is over? em inglês); a preparação de elenco; os testes de câmera; o desenho de som. Também, não se quer deixar o espectador confortável, no filme da trama, e sim fazê-lo ativo, mitigando a passividade cômoda no momento da absorção. Inicia-se com a sôfrega solidão de um instrumento musical (lembrando ?Os Monstros?, da Alumbramento Filmes), seguido por uma narração de paixão incondicional de um cineasta, amargurado, desgostoso e frustrado, por causa das obras que ninguém viu e pelo fim de um relacionamento, cuja ?obsessão é encontrar um rosto como paisagem?. ?Filmar para ele é uma necessidade, lhe restam poucas opções?. Não é fácil a vida de um realizador de cinema. ?É possível que toda obra seja um ato de resistência? Como ser superficial por profundidade? Como achar nas antíteses a poesia??, questiona-se. O monólogo no preâmbulo libera a responsabilidade do resultado, já que se apresenta ?amador? à verborragia desta criação contestadora, abrigando digressões ?livres? de outros processos criativos.
Procura-se o simples, o puro, o cinema raiz, o vinil com aquele ruído característico, a imagem, descomplicar de forma metafísica, traduzir personificações sinestésicas e conservar o amor latente da cinefilia. ?O que é o cinema??, pergunta-se. Não há resposta. Conseguimos explicar o físico, o técnico, mas a consequência emocional é complexa demais para definir. Ama-se o amador, talvez pela falta de completude no contexto. Concluindo, um filme autobiográfico, de um diretor que ?estava com crise com o cinema? e que brinca que ?este é o seu ?Oito e Meio?, de Frederico Fellini?. Apaixonados pela sétima arte ou meros espectadores percebem referências cinematográficas, que pululam e que geram outras inferências, não muito explícitas, como por exemplo, a ?Amador?, de Krzysztof Kieslowski e a ?Super 8?, de J. J. Abrams. Recomendo. Não perca no Festival de Tiradentes 2014!
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