Crítica: Boi Neon
Cinema

Crítica: Boi Neon


Por Fabricio Duque

O novo filme ?Boi Neon?, que venceu o prêmio especial da mostra ?Horizontes? da 72ª edição do Festival de Veneza 2015, e que concorre ao Troféu Redentor de Melhor Longa-Metragem do Festival do Rio 2015, do já cultuado diretor Gabriel Mascaro (do documentário ?Doméstica" e da ficção ?Ventos de Agosto? imerge o espectador a uma atmosfera de tempo pausado de um interior naturalista e trabalhador. Aqui, seus personagens ?metrossexuais" não almejam o "sonho" de partida e sim simplificam (e subvertem) seus típicos gêneros complexos (que confundem sexualidade, essência individual e projeção social), enaltecendo a ?normalização" do prazer-querer inquestionável de permanecer no lugar em que estão. A narrativa constrói uma ambiência de cotidiano espontâneo, em planos longos e contemplativos, sem caricaturas midiáticas e estereótipos pré-concebidos, tampouco manipulações maniqueístas. O longa-metragem, que levou mais de cinco anos para ser realizado, explicita a maestria de seu diretor: a competência afiada e cirúrgica da arte de filmar sem gatilhos comuns (até mesmo abrindo mão do recurso da trilha sonora - expondo um material bruto, seco, ?ogro" quando tem que ser, mas nunca sem o ?perfume" que ?limpa" o ?cheiro da bosta?) e de preparar seu elenco, que se entrega com ?raça?, desejo, espera e verdade direta e absoluta a seus papéis. Ele tem controle total de seu ofício. Suas conversas ?liberam" a hipocrisia do politicamente correto social, e assim dizem o que que pensam sem ?papas na língua?, mas com o respeito de aceitar as manias, idiossincrasias, ?cansaços" existencialistas, sonhos epifânicos com luz direcionada ao objeto proposto, particularidades e vontades sexuais (nem que seja instantâneas) de seus próximos. Traduz-me um universo da Vaquejada, de poético-realista de linguajar próprio (e típico - que quase precisa de legendas em português, visto a especificidade local - ?colocar a rolinha para comer alpiste?, metáfora ao sexo), de união, cumplicidade e que ?permite" cumprimento das aptas habilidades (como um homem que costura e uma mulher que dirige um caminhão - e que nas horas vagas dança com uma cabeça de cavalo) de cada um. ?Cavalo só serve para correr e ser bonito, um boi serve para tudo?, diz-se, entre diálogos que objetivam propositalmente um natural amadorismo e entre influências ?Kitsch-brega? (e sua ?calcinha sexy? - ?apertado que é bom, mais gostoso?) de achismo ?chique? (como no nome em inglês do lugar: ?Cidade Fashion?, seu ?desenho vetorizado? e o brilho-glitter artificial do "neon"). Não se cria o maniqueísmo da ?margem?, tampouco do lugarejo, ?zona de opressão econômica?, desprovido economicamente. Não. Tudo se comporta sutilmente como uma vida simples, sem ser simplista, sem induzir tédios e sem mitigar decisões. ?Boi Neon?, de tão espontâneo soa quase como um documento de uma comunidade interiorana. A sinopse. Nos bastidores das Vaquejadas, Iremar e um grupo de vaqueiros preparam os bois antes de solta-los na arena. Levando a vida na estrada, o caminhão que transporta os bois para o evento é também a casa improvisada de Iremar (arrebatadoramente interpretado pelo ator Juliano Cazarré) e seus colegas de trabalho: Zé, Negão, Galega (Maeve Jinkings, de ?O Som ao Redor?), sua filha Cacá (Alyne Santana) e o novo ?peão" que faz ?chapinha no cabelo? (a ator crescido de ?Central do Brasil?, Vinícius de Oliveira). O cotidiano é intenso e visceral, mas algo inspira novas ambições em Iremar: a recente industrialização e o polo de confecção de roupas na região do semi-árido nordestino. Deitado em sua rede na traseira do caminhão, sua cabeça divaga em sonhos de lantejoulas, tecidos requintados e croquis. O vaqueiro esboça novos desejos. Concluindo, um filme excelente que ?aprisiona" o espectador no mundo único, que não objetiva mudança não resignada, e sim resiliente, que busca a projeção subjetiva de ?crescimento" profissional. Uma longa-metragem de ficção altamente naturalista. Recomendadíssimo.



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