Apresentando a SessãoA diretora japonesa Naomi Kawase veio direto do Festival de Cannes a fim de apresentar seu novo filme ?Hanezu? numa concorrida exibição no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. Ela participou como estrela principal no debate que ocorreu após o filme. No Festival de Cannes, o longa-metragem, realizado em Super 16mm, foi exibido em DCP (formato utilizado por lá). Aqui, a transposição finalizou-se em Beta Digital, letterbox (16:9).
?Os títulos que uso em meus filmes são diferentes até mesmo para os japoneses. ?Hanezu? surgiu de uma ideia que tive quando li ?Manyoshu?, uma literatura de poemas. O ideograma significa cor vermelha, porque esta coloração perde-se claramente e muda-se facilmente. É uma palavra que inicia uma outra ideia. Vermelho é a primeira cor que o ser humano tem consciência desde o útero?, diz Naomi Kawase, explicando o porquê da escolha do título.
A opinião?Hanezu? conserva as características estéticas e cinematográficas de sua diretora numa historia que aborda a metafísica existencial da alma e do mundo transitório. ?Homens lutam por mulheres?, a frase é narrada pela interposição de duas vozes que dizem a mesma coisa. O seu cinema busca a base, princípios, antepassados, resgates, lembranças e nostalgias. Entender o seu cinema é embarcar nos primeiros trabalhos experimentais de Naomi. O VERTENTES DO CINEMA analisa esses curtas-metragens iniciais na matéria ?O Cinema de Naomi Kawase?. Tendo essa informação inicial, o espectador capta os similares elementos. A camera muito próxima privilegia os detalhes. A referida base já se encontra no início: uma obra. Não percebemos o real objetivo do filme até o final, que se traduz de forma genial e impactante. A diretora levanta bandeiras políticas e sociais com tamanha sutileza. Os simbolismos são construídos aos poucos, utilizando os elementos da natureza, acompanhados por música new age (transcendental). As imagens observam o todo para que possa ser convidada a fazer parte daquele universo (assim, invadindo a privacidade). ?Deus está em tudo?, explica a diretora. Ela usa insetos, plantação, chuvas, como personagens principais. A captação desses instantes não segue uma linha simétrica, filmando de forma interativa e deixando o desfoque acontecer. As banalidades do cotidiano são recorrentes.
As tarefas caseiras (de cozinhar, de limpeza e de tingimento de lenços), as conversas sobre o nada, os momentos de carinho e de afeto, tudo procura a ingenuidade de um instante comum. Há o tempo da ação estendido, mesmo recurso usado no curta que filma a sua tia avó todo o tempo. Os ruídos ? as cadeiras, as portas batendo, os copos, talheres, a água do macarrão sendo sugada pela boca do homem ? são exacerbados (super ativados), gerando um desconforto proposital. É o limite que algo que se aproxima. O filme aborda as transformações de Azuka, antigo centro político e cultural do Japão, antes que a capital fosse transferida para Nara, cidade natal de Naomi. Os seus atores viveram meses no local, a fim de absorver totalmente o dia-a-dia de seus moradores. A ação gerou interpretações convincentes e naturais. Os seus protagonistas possuem o silêncio e o exagero como material de trabalho. O casal vive a sua maneira em um vilarejo. Ela anda de bicicleta. A camera afasta e acompanha. Em certo momento, a personagem abaixo, a camera bate nas folhas da árvore e continua numa sequência direta e sem cortes. Os ângulos e reflexos são incrivelmente simples.
A teia de aranha, o templo, o sol refletido no vidro do carro, o macarrão com molho ? e legumes, o ninho de passarinho no lustre, o espelho para ver os filhotes, o morango sendo comido, uma criança que dá um flor. É uma vida a dois, transpassada com extrema pureza e poesia bruta. Historias, digressões, passado, presente e futuro confundem-se com retratações instantâneas de surrealismo. As elipses não são explicadas, fazendo com que a superficialidade seja o elemento principal da atmosfera exibida. ?Não podemos voltar a essa época??, pergunta-se. ?Você fala igual a sua avó?, responde-se. Os instantes não se aprofundam, só retratam. Há a metáfora da ida e da volta. Os pequenos detalhes descobertos servem de peças à montagem do quebra-cabeça. O sangue dele no inicio (o artesão) é limpo por ela. O sangue dela é perdido sem avisos. A diretora quer o básico para explicar o complexo. A base para a reconstrução. ?As chamas não podem ser cobertas?, diz-se. Entre mortos de fatos, de alma, de espírito, ?Hanezu? é dedicado aos espíritos das almas que vivem nas escavações. É uma homenagem aos antepassados, respeitando o tempo e a existência deles. Concluindo, um filme difícil, que respeita a inteligência do espectador, inserindo inferências, metáforas, simbolismos e parábolas. Recomendo.
LEIA TAMBÉM: "Com a Palavra, Naomi Kawase" A DiretoraNascida em 1969, em Nara, no Japão - cidade tema e cenário de vários de seus filmes - Naomi Kawase se formou na Escola de Fotografia de Osaka onde começou a sua produção audiovisual filmando curtas em 8 mm e 16 mm (que serão apresentados durante a mostra). O fato de ter sido adotada e criada pela tia avó Uno Kawase será marcante, desde o início da sua carreira. A diretora aborda temas como a busca pelo pai (em e Céu, Vento, Fogo, Água e Terra), a relação com sua mãe de criação (em O sol poente, Caracol, Viu o sol? e Tarachime), a memória e a transformação na região onde foi criada (em Suzaku e História de gente da montanha), sempre trabalhando nos limites entre autobiografia, documentário e ficção.
NAOMI KAWASE E SEU FILHO
loading...
O Festival de Cannes divulgou os profissionais que farão parte de seu júri. O diretor vencedor de dois Oscars Ang Lee e a atriz australiana Nicole Kidman são dois dos integrantes anunciados. O júri ainda conta com o ator austríaco Christoph...
Por Fabricio Duque Este Festival do Rio 2015 ?permitiu" que duas possibilidades acontecessem sobre o novo filme (e último) filme da diretora belga Chantal Akerman (de "Histoires d?Amérique?, ?The Captive?, "Je, tu, il, elle?). Na sessão (no Cine Joia)...
Por Fabricio DuqueDireto do Festival de Cannes 2015 "An", o novo filme da diretora japonesa Naomi Kawase (de "Still de Water"), foi o escolhido para a sessão de abertura da mostra Un Certain Regard. E corrobora seu estilo característico de humanizar...
Por Fabricio DuqueDireto do Festival de Toronto ?O Segredo das Águas? representa o novo filme da diretora japonesa Naomi Kawase. O Vertentes do Cinema é completamente apaixonado pela forma sensorial, inocente, pura, familiar, natural, emotiva, de extremado...
A diretora Naomi Kawase nasceu no30 de Maio de 1969, em Nara, Japão. Ela vem direto do Festival de Cannes a fim e apresentar seu novo filme ?Hanezu?. Naomi conversou com jornalistas e grande público na sala de cinema do Centro Cultural Banco do Brasil...