Crítica: Hanezu
Cinema

Crítica: Hanezu


Ficha Técnica

Direção: Naomi Kawase
Roteiro: Naomi Kawase
Elenco: Tohta Komizu - Takumi, Hako Oshima - Kayoko, Tetsuya Akikawa - Tetsuya
Fotografia: Naomi Kawase
Som: Hiroki Ito
Camera: Naomi Kawase
Cenários: Kenji Inoue - Cenários
Montagem: Tina Baz, Yusuke Kaneko, Naomi Kawase
Duração: 91 minutos
País: Japão
Ano: 2011
COTAÇÃO: ENTRE O BOM E O MUITO BOM



Apresentando a Sessão

A diretora japonesa Naomi Kawase veio direto do Festival de Cannes a fim de apresentar seu novo filme ?Hanezu? numa concorrida exibição no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. Ela participou como estrela principal no debate que ocorreu após o filme. No Festival de Cannes, o longa-metragem, realizado em Super 16mm, foi exibido em DCP (formato utilizado por lá). Aqui, a transposição finalizou-se em Beta Digital, letterbox (16:9).

?Os títulos que uso em meus filmes são diferentes até mesmo para os japoneses. ?Hanezu? surgiu de uma ideia que tive quando li ?Manyoshu?, uma literatura de poemas. O ideograma significa cor vermelha, porque esta coloração perde-se claramente e muda-se facilmente. É uma palavra que inicia uma outra ideia. Vermelho é a primeira cor que o ser humano tem consciência desde o útero?, diz Naomi Kawase, explicando o porquê da escolha do título.

A opinião

?Hanezu? conserva as características estéticas e cinematográficas de sua diretora numa historia que aborda a metafísica existencial da alma e do mundo transitório. ?Homens lutam por mulheres?, a frase é narrada pela interposição de duas vozes que dizem a mesma coisa. O seu cinema busca a base, princípios, antepassados, resgates, lembranças e nostalgias. Entender o seu cinema é embarcar nos primeiros trabalhos experimentais de Naomi. O VERTENTES DO CINEMA analisa esses curtas-metragens iniciais na matéria ?O Cinema de Naomi Kawase?. Tendo essa informação inicial, o espectador capta os similares elementos. A camera muito próxima privilegia os detalhes. A referida base já se encontra no início: uma obra. Não percebemos o real objetivo do filme até o final, que se traduz de forma genial e impactante. A diretora levanta bandeiras políticas e sociais com tamanha sutileza. Os simbolismos são construídos aos poucos, utilizando os elementos da natureza, acompanhados por música new age (transcendental). As imagens observam o todo para que possa ser convidada a fazer parte daquele universo (assim, invadindo a privacidade). ?Deus está em tudo?, explica a diretora. Ela usa insetos, plantação, chuvas, como personagens principais. A captação desses instantes não segue uma linha simétrica, filmando de forma interativa e deixando o desfoque acontecer. As banalidades do cotidiano são recorrentes.

As tarefas caseiras (de cozinhar, de limpeza e de tingimento de lenços), as conversas sobre o nada, os momentos de carinho e de afeto, tudo procura a ingenuidade de um instante comum. Há o tempo da ação estendido, mesmo recurso usado no curta que filma a sua tia avó todo o tempo. Os ruídos ? as cadeiras, as portas batendo, os copos, talheres, a água do macarrão sendo sugada pela boca do homem ? são exacerbados (super ativados), gerando um desconforto proposital. É o limite que algo que se aproxima. O filme aborda as transformações de Azuka, antigo centro político e cultural do Japão, antes que a capital fosse transferida para Nara, cidade natal de Naomi. Os seus atores viveram meses no local, a fim de absorver totalmente o dia-a-dia de seus moradores. A ação gerou interpretações convincentes e naturais. Os seus protagonistas possuem o silêncio e o exagero como material de trabalho. O casal vive a sua maneira em um vilarejo. Ela anda de bicicleta. A camera afasta e acompanha. Em certo momento, a personagem abaixo, a camera bate nas folhas da árvore e continua numa sequência direta e sem cortes. Os ângulos e reflexos são incrivelmente simples.

A teia de aranha, o templo, o sol refletido no vidro do carro, o macarrão com molho ? e legumes, o ninho de passarinho no lustre, o espelho para ver os filhotes, o morango sendo comido, uma criança que dá um flor. É uma vida a dois, transpassada com extrema pureza e poesia bruta. Historias, digressões, passado, presente e futuro confundem-se com retratações instantâneas de surrealismo. As elipses não são explicadas, fazendo com que a superficialidade seja o elemento principal da atmosfera exibida. ?Não podemos voltar a essa época??, pergunta-se. ?Você fala igual a sua avó?, responde-se. Os instantes não se aprofundam, só retratam. Há a metáfora da ida e da volta. Os pequenos detalhes descobertos servem de peças à montagem do quebra-cabeça. O sangue dele no inicio (o artesão) é limpo por ela. O sangue dela é perdido sem avisos. A diretora quer o básico para explicar o complexo. A base para a reconstrução. ?As chamas não podem ser cobertas?, diz-se. Entre mortos de fatos, de alma, de espírito, ?Hanezu? é dedicado aos espíritos das almas que vivem nas escavações. É uma homenagem aos antepassados, respeitando o tempo e a existência deles. Concluindo, um filme difícil, que respeita a inteligência do espectador, inserindo inferências, metáforas, simbolismos e parábolas. Recomendo.

LEIA TAMBÉM: "Com a Palavra, Naomi Kawase"



A Diretora

Nascida em 1969, em Nara, no Japão - cidade tema e cenário de vários de seus filmes - Naomi Kawase se formou na Escola de Fotografia de Osaka onde começou a sua produção audiovisual filmando curtas em 8 mm e 16 mm (que serão apresentados durante a mostra). O fato de ter sido adotada e criada pela tia avó Uno Kawase será marcante, desde o início da sua carreira. A diretora aborda temas como a busca pelo pai (em e Céu, Vento, Fogo, Água e Terra), a relação com sua mãe de criação (em O sol poente, Caracol, Viu o sol? e Tarachime), a memória e a transformação na região onde foi criada (em Suzaku e História de gente da montanha), sempre trabalhando nos limites entre autobiografia, documentário e ficção.

NAOMI KAWASE E SEU FILHO




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