Crítica: O Uivo da Gaita
Cinema

Crítica: O Uivo da Gaita


Por Fabricio Duque

O diretor Bruno Safadi apresenta seu novo filme "O Uivo da Gaita", que faz parte da Operação Sonia Silk, série de três filmes de longa-metragem produzidos de forma cooperativa, com mesmo elenco e equipe, coproduzidos pelo Canal Brasil e Teleimage. O cineasta do documentário "Belair" disse que realiza agora seu "belair" ficcional. 

A experiencia da exibição no menor cinema (55 lugares) do Centro Cultural da Justiça Federal não poderia ter sido mais desconfortável. Em pé, dentro da sala de projeção. e com exibição "fraca e com pouca resolução" (palavras do próprio diretor). Se desta forma, não conseguimos desgrudar os olhos do da tela, imagine quem está em situação acolhedora (sentado, pelo menos). 

São três locações, três tempos e três atores (Mariana Ximenes, Leandra Leal e Jiddu Pinheiro) que se entregam completamente e sem limites às vivências radicais de suas personagens. "Nós já nos conhecemos há muito tempo. Isto ajudou a cumplicidade das cenas", disse Leandra Leal. "Houve uma certa intimidade do pessoal da equipe. São atrizes de cinema também e fazem isso há muito tempo. São macacas velhas", disse Bruno e complementa para ajudar a entender o próprio universo (a obra) que construiu. "Simplificar ao máximo e ser livre para criar". 

O longa-metragem, de apenas setenta minutos, traduz-se pela metáfora da concreto implícito. É existencial e epifânico, utilizando-se da leveza da câmera para superexpor elementos da alma individual-coletiva, que é personificada em tela. A narrativa de "suspensão do tempo" capta o tédio, o desencontro social, os "arquétipos do amor contemporâneo, místico, clandestino, sem limites, livre, fugaz, passageiro, fluído, universal", tântrico e platônico na real essência.  A calmaria do tempo fílmico constrói "personagens sem rastros" em uma trama sentimental-existencial por planos longos, contemplativos e alucinógenos. Há extensão da sinestesia visual. Relaxada, de espera, platônica, bucólica, e concretista. Experimenta-se ângulos detalhistas e ou fotografia "aberta", assim como vivenciado solidões, tédios e ruídos externos que pululam e acompanham o filme para criar o etéreo mais que possível. 

A câmera dança como um bale da vida hipocritamente querendo ser artificial (talvez por autoproteção). Paisagens mortas e solitárias ambientam uma época atemporal (mesmo com a percepção referencial do final dos anos sessenta).  A lentidão (não parada) imergi o espectador, neste momento, aprisionando totalmente o tempo pela diversão básica do jazz, do afeto, do jazz, da praia... "Quem disse que preciso de livros e discos para ser feliz?", diz-se, enquanto lê-se "Dom Quixote". "O que devemos fazer com as nossas imaginações?", pergunta-se. Sim, Bruno Safadi criou a sua ficção do doc-Bressane. E impacta quem assiste ao visual, a inferência, à imaginação, à possibilidade, à liberdade. Cria a metafísica a introduzir o público aos efeitos gerados das drogas, desencadeando a percepçao de uma câmera microscópica (e que transpõe imagens já transparentes), quase live-action estática, do próprio ser. A estética visual ora suaviza, ora exacerba, a abertura mental ao conteúdo abstrato, como a afetação não estereotipada da condição protegida (e que é o que se quer mostrar). Pode-se achar que o filme é sobre o nada e sobre o sem sentido de três existências, e ou repetição de estéticas para "compôr a duração do que se assiste". Não, não é. É sobre a simplicidade do complexo. Sobre o tudo que afeta a falsidade do nada (a própria realidade universal). 

Se o espectador ainda não foi "fisgado" pelo filme, mesmo sabendo que é uma obra-prima da análise antropológica do comportamento social (atual), então, garantimos que quando Leandra Leal canta "Deusa do Amor", a poesia límpida toca até a alma, despertando a sensação da própria suspensão temporal. A música de Guilherme Vaz "encaixa neste gênero de cinema-vida" deste filme (que durou três anos e que dividiu atenção com "Éden"). "Nós nos jogamos no abismo e fazemos cinema como estratégia de guerra.  Se você faz um filme diariamente em sua vida, então em três anos tudo se apresenta como uma transformação temporal. Tateando, tentando receber", finaliza o diretor Bruno Safadi, que quando abre a boca, magnetiza pelo didatismo de uma palestra de superação (um estreante "ganha" força na própria empreitada) e que mesmo sem querer, comporta-se como Wong Kar-Wai ao misturar trilha-sonora, feita em um filme, em outro. Concluindo, um super filme e um super recomendo. Obrigado ao Centro Cultural da Justiça Federal e a toda equipe do Festival do Rio!



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