Crítica: Olmo e a Gaivota
Cinema

Crítica: Olmo e a Gaivota


Por Fabricio Duque

Há uma tendência em nossa contemporaneidade de ?confundir" gêneros em uma mesma obra cinematográfica, tendo o comportamento do documentário mais ficcional e a ficção mais documental. Esse hibridismo ?transgressor" busca ?ampliar" possibilidades de se contar uma história. Mas a polêmica é grande. No Festival do Rio 2015, dois ?documentários? (parecidos por causa de sua ?câmera-mosca" à moda de Frederick Wiseman) concorrem ao Troféu Redentor de Melhor Longa-Metragem. ?Futuro Junho?, de Maria Augusta Ramos, assume-se como tal. E ?Olmo e a Gaviota?, em em questão aqui, se incomoda com esta definição, ?atestando" por ?a mais b? que a obra apresentada é "totalmente" ficcional, representa o mais recente e aguardado filme de Petra Costa (que nos ?presenteou" com ?Elena?), que co-dirige com a dinamarquesa Lea Glob (do curta ?Meeting My Father?). "Olmo e a Gaviota? já é apresentado como ?peixe grande?, devido a produção executiva de Tim Robbins e por ter sido editado (montado por Marina Meliande) na produtora Zentropa (de Lars von Trier - no mesmo lugar que ?estava sendo filmado Ninfomaníaca?). Contudo, nada disso significaria se não tivesse a competência sensível de nossa diretora brasileira. É um filme sobre o universo criativo-pessoal da peça ?A Gaivota?, de Tchekov, que se utiliza de elementos reais (como a própria gravidez da protagonista para construir sua ?mise-en-scène?, colocando seu "jogo de cena?, pela metalinguagem do próprio teatro e pela encenação naturalista de seus atores-personagens, ?cúmplices" nas ?vulnerabilidades? espontâneas de um casal real que improvisa o próprio relacionamento. É uma ?viagem" na própria sinopse que nos ?ambienta" na travessia pelo labirinto da psique de Olivia Corsini, uma atriz italiana intempestiva que se prepara para atuar na peça. Quando o espetáculo começa a tomar forma, Olivia e seu companheiro francês Serge Nicolai (muito parecido com o jeito do nosso ator Caco Ciocler), que haviam se conhecido anos antes nos ensaios do Théâtre du Soleil, descobrem que ela está grávida. O filme tem uma nova virada quando o que parecia ser encenação revela-se como a própria vida. Ou seria o inverso? Esta investigação do processo criativo nos convida a questionar o que é real, o que é imaginário e o que celebramos e sacrificamos em nossas vidas. Assim, a câmera poética-hipnótica-contemplativa-intimista-pessoal-lisérgica-existencialista ?indica" a jornada, entre processos de aceitação, ensaios profissionais, picardias cúmplices, respeitos sentimentais e linguagens multiculturais. É uma experiência ?poliglota?. Suas línguas se misturam no ritmo cadenciado das nuances ?se perder na loucura?. Não há como, implicitamente, não referenciarmos a outra peça, ?A Mãe Coragem?, de Bertolt Brecht, que diz que "há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis?. A inferência acontece pelo paralelismo de um ?ser materno? que necessita abrir ?mão" de sua liberdade, de sua profissão e até mesmo do ?cálcio de seus dentes? para cuidar de outro ?ser?. Entre ?empecilhos?, ?compromissos?, ?prisões?, ?incertezas?, ?chá de bebê" ?sacrifícios?, ?gordas de Fellini" e análises universais ?exacerbadas? (e ?abstratas") das decisões de seus futuro (?fim da carreira?), o filme traduz toda sua adjetivação sóbria, madura, sensata e calma (?mais doce, mais sólida, menos nervosa, menos passional?). ?Protegido de tudo quando se faz teatro?, diz-se, criando metáforas da peça com a própria vida (que está sendo interpretada), mesmo quando a própria diretora ?interfere? (interativa) no que se vê, ?estimulando mais análise? e a polêmica da ?infidelidade?. Capta-se o que ?vai na mente e na memória inconsolável? e ou a ?pseudo" crença de que ?o filho é a solução para resolver a solidão? e ou do ?ciúme do tempo? que a ?rouba?, sem esquecer o ?universo" parisiense do humor ácido e perspicaz (?buquê de psicopata?). Concluindo, uma obra-prima. Um filme sensível, deliciosamente degustado, de uma excelente competência técnica, que ?aprisiona" o espectador nas especificidades-particulares-únicas-idiossincráticas de duas existências (esperando a terceira) da vida privada. Recomendadíssimo. Estreia nos cinemas no dia cinco de novembro deste ano. Vamos lotar os cinemas!



loading...

- Crítica: Quase Memória
Por Fabricio Duque Quando o diretor Ruy Guerra apresenta uma nova obra, nós espectadores já sabemos o que encontrar: uma experiência que se ?abriga? na essência ?raiz" do cinema ao conjugar contexto metafórico à forma de estética clássica. Em...

- Crítica: Não É Um Filme Caseiro
Por Fabricio Duque Este Festival do Rio 2015 ?permitiu" que duas possibilidades acontecessem sobre o novo filme (e último) filme da diretora belga Chantal Akerman (de "Histoires d?Amérique?, ?The Captive?, "Je, tu, il, elle?). Na sessão (no Cine Joia)...

- Crítica: Futuro Junho
Por Fabricio Duque ?Futuro Junho? representa o mais recente de Maria Augusta Ramos (de ?Justiça?, ?Juízo?, ?Morro dos Prazeres"), que já tem como característica marcante em sua carreira não realizar documentários de forma convencional, imprimindo...

- Crítica: Aspirantes
Por Fabricio Duque ?Aspirantes?, do diretor estreante em um longa-metragem Ives Rosenfeld (que durante dez anos dedicou-se ao trabalho de som de inúmeros filmes, coo um ?Um Filme de Cinema?, de Walter Carvalho, que também será apresentado no Festival...

- Crítica: Mia Madre
Por Fabricio DuqueDireto do Festival de Cannes 2015 "Mia Madre" de Nanni Moretti (de "Habemus Papam", "O Quarto do Filho"), integrante da mostra competitiva oficial, foi o grande vencedor do prêmio Ecumênico no Festival de Cannes 2015. Já é de conhecimento...



Cinema








.