Crítica: Que Horas Ela Volta?
Cinema

Crítica: Que Horas Ela Volta?


Por Fabricio Duque

Uma das características marcantes da cineasta Anna Muylaert (de ?Durval Discos?, ?É Proibido Fumar?, ?Chamada A Cobrar?) é hiperdimensionar a naturalidade cotidiana quase a um documentário da vida privada moderna. Em ?Que Horas Ela Volta??, seu mais recente filme, que ?galgou? primeiro o sucesso da carreira internacional, aborda-se a eterna luta de classes entre empregados e patrões, com seus ?falsos? relacionamentos sociais (uma "auto" condescendência de hipocrisia comportamental e ou um estágio ?blasé? versus uma ?intimidade afetiva?). A narrativa ?ultra? realista deve-se muito às interpretações de todo o elenco, que se entregam sem limites e pudores a fim de retratar, exata e fielmente, a atmosfera do ambiente "inóspito" abordado. Não há como o espectador sair imune da resignação subalterna nivelada por baixo da "empregada (ou "doméstica" - pela "nova" nomenclatura de tratamento - que quem faz é a soberba atriz Regina Casé de ?Eu, Tu, Eles? ? incluindo seu sotaque "pernambucano-paulistano" ? que, com mérito inquestionável, venceu na categoria de Melhor Atriz no Festival de Sundance 2015) e da autoridade ?senhora de engenho de ser? - ?redesenhada? à expressão politicamente correta ?patroa? - da matriarca (a sempre excelente Karine Teles, de "Riscado"). O confronto acontece quando a filha (um ?rato?, uma afronta e um perigo), totalmente "segura de si" e com gigantesco ?ímpeto arrogante? (deslumbrada, invasiva, ?abusada?, ?sem noção?, oferecida e ?estranha?) da "escrava" resolve viver com a mãe na cidade grande (com o objetivo de fazer vestibular para Arquitetura na FAU ? uma ?das faculdades mais difíceis?), não ?querendo? se comportar como uma ?serviçal? (e assim a ?inteligência? ganha mais ?reconhecimento? ? está de ?igual para igual?, como o gostar pelo suco de lima da Pérsia). A maestria de "Que Horas Ela Volta?" é seu desenvolvimento, com suas ações, choques culturais e sua "aristocracia" defasada, superficial e insegura (?Estilo é se conhecer?). É inevitável não referenciar aos filmes: "Casa Grande", de Fellipe Barbosa; "Doméstica", de Gabriel Mascavo; e ?Domésticas?, de Fernando Meirelles. Mas diferente destes ou no curta-metragem "Cloro", de Marcelo Grabowsky, aqui é aprofunda da uma latente espontaneidade e uma liberdade cerceada. Podemos perceber, que praticamente, não se "extrai" atores e ou encenações teatrais, e sim um documento incisivo de antropologia social de nossa própria realidade de cada dia, ?reverberando? um ?livre? Big Brother de edição que capta a essência das particularidades que necessitam de retroalimentação. Não há uma ?produção? sistemática e ou pragmática, mas uma sensibilidade tenaz quase à moda dos filmes do cineasta chinês Jia Zhang-Ke. O roteiro de ?Que Horas Ela Volta?? questiona ?criações e cuidadores?, como a empregada que se comporta ?mais mãe que a mãe? (?entendendo? e ?encobrindo? a maconha do ?filho? e o sorvete favorito), quase uma ?substituta? da mãe ?ausente? (individualizada em seu próprio mundo) ? e que recebe um carinho ?puro?, e que diz ?sem papas na língua?: ?é gente ruim que coloca a forminha vazia de gelo na geladeira? e ?Tem que dar Mucilon para não ?cagar??. Por estar tempo ?demais? ali naquela família, a ?nova escrava? social usa uma liberdade sincera para dizer o que pensa, logicamente com respeito, que se ?acha? realmente uma parte integrante (consumindo o "resto" do mínimo da felicidade), e que ?abusa? de pequenos prazeres, como o sol na área do varal de roupas. Outra maestria do filme é sua câmera acompanhada e ?bisbilhoteira?, que ?fofoca? inclusive a ?diversão? do final de semana (o forró), mas que ?impede? o espectador de participar da ?vida rica do Morumbi?, apenas pelo viés dos ?serviçais? (que não escondem as marcas dos produtos, como Limpol e Casas Bahia, por exemplo). Traduz-se por uma narrativa do olhar. A atenção está nos detalhes, como na camisa do show de Kings of Leon, Arcade Fire, Morcheeba e Elvis Costelo, denotando cultura ?out of popular?. ?Quando eles oferecem é por educação, porque eles têm certeza que vamos dizer não?, ?ensina? a filha. Talvez a cena mais explícita seja a do ?descasado?, das ?xícaras? - ?preto no branco, branco no preto?. Concluindo, ?Que Horas Ela Volta?? não possui ?barrigas?, tampouco falhas. É cirúrgico, porque realiza com excelência a ?necropsia? da ?alta? sociedade brasileira. Observação final. Como dá ?pena? da empregada e como dá ?medo? a patroa. É por essas e tantas outras que o longa-metragem é hiperbolicamente recomendado. Nota máxima. Obra-prima. Finalizando, a diretora Anna Muylaert arremata de vez: "O roteiro parte de uma situação ficcional para mostrar vários aspectos sociológicos e antropológicos de um momento recente da história do país, mas não só isso. Tínhamos dúvidas se os estrangeiros entenderiam essa situação, que é bem brasileira, mas entenderam, sim. Pessoas de várias nacionalidades se identificaram com o filme em Sundance, negras ou latinas. De alguma forma, sabem como se sentem cidadãos de segunda classe. A plateia americana riu e se emocionou bastante, não colocou o social como ponto principal. Os europeus, sim, é que se interessaram mais por essas questões. Tanto é que distribuidores da França e da Itália já estão conversando com nosso agente de vendas".



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