Tempos de Tubarão
Cinema

Tempos de Tubarão


Revista ?Veja?, 31 de Dezembro de 1975.
Comprimida diante dos cinemas Gemini 1 e Gemini 2, na Avenida Paulista, em São Paulo, a multidão ondulava num incontrolável empurra-empurra. De repente, em meio a cotoveladas, palavrões e olhares raivosos, uma voz exaltada anunciou, sem maiores explicações, que pretendia ?quebrar o vidro da bilheteria?. Nesse momento, o solitário guarda de segurança José Pereira Guimarães decidiu intervir de maneira drástica. E, empunhando revólver e cassetete, tentou organizar em filas, as centenas de paulistanos que afluíram à sessão das 17h20 para assistir ao filme ?Tubarão?.

Contudo, nem a severa reação do guarda Guimarães fez a turba recuar. E o soldado do Exército Paschoal Mauro, que afinal já perdera duas horas do seu dia de folga no truculento corpo-a-corpo defronte aos Gemini, avançou para o guarda e bradou: ?Puxar revólver, não! Isso aí mata, falei?? Os ânimos só serenaram quando o gerente Sérgio Araújo Câmara, pela quarta vez em dois dias, solicitou reforços da polícia. Com alguma rispidez, treze policiais desembarcados de quatro viaturas logo reduziram a multidão a disciplinadas filas.
Todos, então, puderam entrar, com exceção dos que, por um equívoco dos milicianos, se alinharam justamente numa fila que não conduzia a parte alguma. Nada mais natural. Nos últimos dias, o Brasil está entregue a mais um desses delírios cinematográficos, com a estréia simultânea de ?Tubarão? em todas as grandes cidades. E junto às extensas procissões de candidatos a espectadores, os incidentes tornaram-se inevitáveis.
Em São Paulo, mesmo vendendo ingressos a 20 cruzeiros, todos os seis cinemas que exibiram ?Tubarão? ostentavam, nos dois primeiros dias, filas com mais de 100 metros de extensão. E, somente no cine Paulistano, a cada sessão, cerca de 1000 pessoas disputavam avidamente as 610 poltronas da platéia.
Quais as razões de tanto interesse pelo filme, num país que há pelo menos quinze anos não tem notícia de pessoas mortas por tubarões? Em primeiro lugar, naturalmente, vem a maciça campanha publicitária que precedeu o lançamento. Depois, o êxito do livro de Peter Benchley, que serviu de roteiro para o filme. Finalmente, há o evidente fascínio exercido sobre milhares de brasileiros pelos ?filmes-desastre?, que sempre conseguem juntar platéias espantosamente participantes. Pois a verdade é que, no escuro das salas, as reações dos espectadores assumem formas ainda mais surpreendentes.
As cenas de abertura, por exemplo, são recebidas com apuros, aplausos e estridentes assovios. Depois, sucedem-se gritos, exclamações medrosas, interjeições entusiasmadas e, nos intervalos das cenas mais emocionantes, singulares batalhas de cigarros acesos.
Seja como for, ao cabo das duas horas de projeção são sempre raros os descontentes com os resultados dramáticos do filme. E alguns, como o radiotelegrafista paulista Silvio Coimbra, deixam o cinema especialmente impressionados: ?Não pretendo voltar à praia?, dizia ele na saída do cine Paulistano.



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