A Caixa de Pandora
Bom, essa é uma das obras mais famosas do Tennessee Williams, junto com Um Bonde Chamado Desejo. Esse segundo talvez seja até melhor e mais famoso. A versão para o cinema (adaptada por Elia Kazan, aquele conhecido por denunciar colegas comunistas) virou Uma Rua Chamada Pecado aqui no Brasil e deu a Vivien Leigh (... E o Vento Levou) seu segundo Oscar, e a Marlon Brando (O Poderoso Chefão) sua primeira indicação, além de fama internacional. Ambas as obras apresentam personagens perturbados, cheios de segredos e problemas não resolvidos. O ápice delas são justamente as revelações desses mistérios.
A história é sobre uma família que se reúne para o aniversário do patriarca, que está a beira da morte. Ele é rude e grosseiro com todos ao redor, e mantém laços com a família apenas por ser um rico fazendeiro e homem de negócios. Os dois filhos são muito diferentes entre si. Cooper, o mais velho, fez tudo que o pai sempre quis, formou-se advogado, mudou de cidade, casou-se, teve diversos filhos, tudo na expectativa de assumir o comando dos negócios da família no futuro. Já o mais novo, Brick, é o preferido do pai, feito pelo Paul, um ex-jogador de futebol frustrado, alcoólatra, casado com Maggie, a Liz Taylor, uma mulher por quem não nutre mais nenhum amor ou desejo, apesar das tentativas incansáveis dela de reconquistá-lo.
Vamos lembrar que essa época foi marcada pelo macarthismo. Pra quem não se lembra mais das aulas de história, esse foi o termo dado para as práticas de perseguição aos comunistas, e propagação dos valores cristãos e de família do senador Joseph MacCarthy. Ou seja, a própria semeação da hipocrisia e culto à intolerância. Esse período é muito bem retratado pelo ótimo “Boa Noite e Boa Sorte”, do George Clooney. Ele e “Brokeback Mountain” perderam o Oscar pra Crash... O mundo é injusto...
Voltando ao ponto, as censuras impostas pelo macarthismo fizeram com que muitas obras fossem banidas, ou sofressem modificações diversas pra poderem ser comercializadas. Tanto “Bonde”, quanto “Gata” sofreram alterações nos conflituosos casos criados por Tennessee Williams pra poderem ser lançados. Aí é que algumas coisas foram modificadas. Algumas mensagens (que Tennessee nunca dizia com todas as letras) conseguiram ser mantidas, já que, convenhamos, esse povo intolerante não é lá muito inteligente, então certas coisas permaneceram sem que eles percebessem.
Na obra de Tennessee, o casal principal não tem filhos, assim como no filme, mas originalmente isso era explicado, além do alcoolismo, por uma impotência sexual dele. Impotência sexual era um dos assuntos proibidos da época. Feria a virilidade. Eles não podiam se imaginar nessa situação ou ao menos pensar sobre isso. O casal também não se dá bem. As justificativas disso também divergem um pouco, mas ambas estão centradas em uma terceira pessoa, Skipper, o falecido amigo e parceiro esportivo dele.
Claramente existia um relacionamento afetivo entre os dois, e a presença da Maggie entre eles culminou no suicídio do Skipper, e Brick a culpa em silencio até então, criando cada vez mais repulsa e desprezo por ela. Na peça teatral a orientação sexual de Brick é algo muito mais evidenciado, enquanto no filme é só insinuado, mas a suspeita é descartada pelo final “feliz”, que também contrasta da obra original. No final original, o tom de ironia é claro, expresso nas atitudes de conivência do Brick em continuar convivendo com a mentira em que se envolveu. No filme, transformaram numa “resolução” dos problemas entre Brick e o velho pai, e numa reconciliação do casal.
O filme tem várias curiosidades, como por exemplo, que George Cukor (que fez A Costela de Adão, Nasce Uma Estrela e My Fair Lady, e começou a fazer E o Vento Levou, mas foi demitido) recusou dirigi-lo devido às censuras que a história sofreu. Richard Brooks assumiu a direção. Elvis Presley fez Brick na versão teatral, mas foi rejeitado para o cinema. Na época ele já tinha sucessos como Hound Dog, Don't Be Cruel, Blue Suede Shoes, Love Me Tender e Jailhouse Rock no currículo. Pro papel da Maggie, Lana Turner e Grace Kelly foram consideradas. Tennessee Williams detestou a obra, e a considerou um retrocesso. Mas hoje em dia, o filme ilustra claramente um período de tempo, o que a torna uma obra importante para o cinema, principalmente quando se comparam as duas para a análise do contexto político-social da época.